Mais um trabalho apresentado por nossos olegas de curso. Neste caso, Karyna Marques gentilmente cedeu-nos sua resenha acerca do texto "A Mensagem da Cultura Portuguesa", da autoria de Linhares Filho
RESENHA1
Karyna Marques2
LINHARES FILHO A Mensagem da Cultura Portuguesa
O presente texto trata-se de uma “aula da saudade” ministrada pelo professor Linhares Filho, no ano de 1992, aos formandos do curso de letras da Universidade Federal do Ceará (UFC). Por conseguinte, o professor emociona-se, sente-se honrado de participar desta aula e agradece o gentil convite, mencionando seu imenso prazer de lecionar, sobretudo Literatura.
Faz um contorno através da Filosofia, mencionando Gibran Khalil Gibran que em seu livro O profeta define “fé” e “ternura” com tributos da sabedoria do mestre. Por esta mesma perspectiva, inspira-se o professor para desempenhar seu magistério, sempre enfatizando que é com muito prazer que o faz, além de ser por seu explícito amor pela arte literária. Destaca a importância e valorização da literatura como representação da cultura de um povo, especialmente a forte influência que a Literatura Portuguesa exerceu e exerce na literatura brasileira, apontando o laço que as une intimamente: a Língua Portuguesa.
O autor pede licença para recorrer a um poema de sua autoria - Invocação a Portugal 3 - como introdução do seu texto-aula. Dessa forma, transfigura os leitores para o ambiente português, tornando o momento propício para a reflexão e análise de um poema, considerando um dos mais belos do poeta romântico português, João de Deus. Toma, assim, a cançoneta Tristezas, objetivando relacioná-la á vida e, dessa forma, orientar, não apenas os formandos, mas os leitores em geral.
Na marcha da vida
Que vai a voar
Por esta descida
Caminho do mar,
Caminho da morte
Que ma há de arrancar
O grito mais forte
Que eu possa exalar;
O ai da partida
Da pátria, do lar,
Dos meus e da vida,
Da terra e do ar;
Já perto da onda
Que me há de tragar,
Embora se esconda
No fundo do mar;
De noite e de dia
Me alveja no ar
O fumo que eu via
Subir do meu lar!
Que sonhos doirados
Me estão a lembrar!
Mas tempos passados
Não podem voltar!
Carreira da vida,
Que vás a voar
Por estar descida,
Vai mais devagar;
Que eu vou deste mundo,
Talvez, descansar,
E nunca do fundo
Dos mares voltar!...
Por originar-se da terceira fase do Romantismo Português, o poema apresenta, dentre outras características, o tema da solidão, o culto ao passado e à natureza, e a sobreposição do sentimento à razão. Além disso, apresenta uma forte consciência da efemeridade da vida – pretexto do carpe diem -, próprio do Classicismo, mas que remonta também no Modernismo e na Pós-modernidade, influenciados pelo Existencialismo Ontológico.
Embora apresente características românticas, João de Deus situa-se, até certo ponto, como poeta de transição entre o Romantismo e o Realismo; não apresentou, pois, aspectos ultra-românticos, mas destaca-se por sua simplicidade e musicalidade. Poeta lírico-amoroso e místico, João possui certa dição a Camões e sua poesia apresenta traços que lembram o Trovadorismo.
Para uma melhor análise, divide-se o poema em três movimentos: no primeiro (cinco primeiras estrofes), verificam-se relembranças diante da vida que passa. No segundo movimento (sexta estrofe), o eu - lírico mostra-se consciente da extinção do passado. E no terceiro movimento, constatamos o apelo à vida para que não se vá. Nota-se a importância do mar metaforizado no poema, mormente através da homologia: “Caminho do mar, // caminho da morte”. O mar simboliza, portanto, o mistério que se encontra na morte; por situar-se num plano abaixo dos povoamentos, implica-se uma “descida” para ter-se acesso a ele, isto simboliza um “declínio” da vida. Vale ressaltar também que o mar para o homem português é causa de martírio e glória.
Faz-se importante perceber a oposição entre o fogo e a água. O fogo –representado no poema pelo termo “fumo” – que está no coração do homem e atiça-lhe os desejos, e a água do mar que, embora a vida dela tenha se originado, simboliza a morte. A sonoridade das rimas também ajuda muito para a compreensão do poema, assim, a insistente rima em “ar” significa a monótona e apressada “marcha da vida”.
Há também intertextualidade entre o poema Tristezas (transcrito anteriormente) e outros textos de despedida, também escritos por João de Deus, como “Adeus”, dois outros denominados Último Adeus e A Vida, obra-prima do poeta e que se relaciona com o poema aqui analisado, sobretudo pala consciência do efêmero.
Para finalizar seu texto/aula, o professor Linhares Filho fala mais uma vez do seu prazer por lecionar e alerta os leitores (no caso, refere-se aos formandos de Letras) para as dificuldades que haverão de enfrentar, mas, de sobremaneira, encoraja-os para tal desempenho, oferecendo-os um poema intitulado Conquista que se segue abaixo:
Ao ultramar da dura prova chego,
e o tempo de suor não foi em vão.
Cada coisa ficou posta em sossego,
Transpostos Bojador e Cabo-Não.
Tenho a meu lado o cálido aconchego,
em que o cérebro e o peito pousarão.
Bendigo, todavia o triste ofego,
em que amadureceu uma canção.
Contemplo do alto a máquina do mundo,
como quem subjugou a onda e o frio,
e do esplendor de tudo já me inundo.
Aporto no limiar do próprio Ser,
fiando agora à parca um desafio:
faz-se de morte o tempo de viver.
NOTAS
1. Resenha apresentada ao Prof. Linhares Filho, na disciplina Literatura Portuguesa II.
2. Karyna Marques, graduanda do curso de Letras (UFC).
3. Linhares Filho. Andanças e marinhagens. Fortaleza: livro inédito, 1990.p.6