24 de out. de 2008

A Mensagem da Cultura Portuguesa

Mais um trabalho apresentado por nossos olegas de curso. Neste caso, Karyna Marques gentilmente cedeu-nos sua resenha acerca do texto "A Mensagem da Cultura Portuguesa", da autoria de Linhares Filho


RESENHA1

Karyna Marques2

LINHARES FILHO A Mensagem da Cultura Portuguesa

O presente texto trata-se de uma “aula da saudade ministrada pelo professor Linhares Filho, no ano de 1992, aos formandos do curso de letras da Universidade Federal do Ceará (UFC). Por conseguinte, o professor emociona-se, sente-se honrado de participar desta aula e agradece o gentil convite, mencionando seu imenso prazer de lecionar, sobretudo Literatura.

Faz um contorno através da Filosofia, mencionando Gibran Khalil Gibran que em seu livro O profeta define “fé” e “ternura” com tributos da sabedoria do mestre. Por esta mesma perspectiva, inspira-se o professor para desempenhar seu magistério, sempre enfatizando que é com muito prazer que o faz, além de ser por seu explícito amor pela arte literária. Destaca a importância e valorização da literatura como representação da cultura de um povo, especialmente a forte influência que a Literatura Portuguesa exerceu e exerce na literatura brasileira, apontando o laço que as une intimamente: a Língua Portuguesa.

O autor pede licença para recorrer a um poema de sua autoria - Invocação a Portugal 3 - como introdução do seu texto-aula. Dessa forma, transfigura os leitores para o ambiente português, tornando o momento propício para a reflexão e análise de um poema, considerando um dos mais belos do poeta romântico português, João de Deus. Toma, assim, a cançoneta Tristezas, objetivando relacioná-la á vida e, dessa forma, orientar, não apenas os formandos, mas os leitores em geral.

Na marcha da vida

Que vai a voar

Por esta descida

Caminho do mar,

Caminho da morte

Que ma há de arrancar

O grito mais forte

Que eu possa exalar;

O ai da partida

Da pátria, do lar,

Dos meus e da vida,

Da terra e do ar;

Já perto da onda

Que me há de tragar,

Embora se esconda

No fundo do mar;

De noite e de dia

Me alveja no ar

O fumo que eu via

Subir do meu lar!

Que sonhos doirados

Me estão a lembrar!

Mas tempos passados

Não podem voltar!

Carreira da vida,

Que vás a voar

Por estar descida,

Vai mais devagar;

Que eu vou deste mundo,

Talvez, descansar,

E nunca do fundo

Dos mares voltar!...

Por originar-se da terceira fase do Romantismo Português, o poema apresenta, dentre outras características, o tema da solidão, o culto ao passado e à natureza, e a sobreposição do sentimento à razão. Além disso, apresenta uma forte consciência da efemeridade da vida – pretexto do carpe diem -, próprio do Classicismo, mas que remonta também no Modernismo e na Pós-modernidade, influenciados pelo Existencialismo Ontológico.

Embora apresente características românticas, João de Deus situa-se, até certo ponto, como poeta de transição entre o Romantismo e o Realismo; não apresentou, pois, aspectos ultra-românticos, mas destaca-se por sua simplicidade e musicalidade. Poeta lírico-amoroso e místico, João possui certa dição a Camões e sua poesia apresenta traços que lembram o Trovadorismo.

Para uma melhor análise, divide-se o poema em três movimentos: no primeiro (cinco primeiras estrofes), verificam-se relembranças diante da vida que passa. No segundo movimento (sexta estrofe), o eu - lírico mostra-se consciente da extinção do passado. E no terceiro movimento, constatamos o apelo à vida para que não se vá. Nota-se a importância do mar metaforizado no poema, mormente através da homologia: “Caminho do mar, // caminho da morte”. O mar simboliza, portanto, o mistério que se encontra na morte; por situar-se num plano abaixo dos povoamentos, implica-se uma “descida” para ter-se acesso a ele, isto simboliza um “declínio” da vida. Vale ressaltar também que o mar para o homem português é causa de martírio e glória.

Faz-se importante perceber a oposição entre o fogo e a água. O fogo –representado no poema pelo termo “fumo” – que está no coração do homem e atiça-lhe os desejos, e a água do mar que, embora a vida dela tenha se originado, simboliza a morte. A sonoridade das rimas também ajuda muito para a compreensão do poema, assim, a insistente rima em “ar” significa a monótona e apressada “marcha da vida”.

Há também intertextualidade entre o poema Tristezas (transcrito anteriormente) e outros textos de despedida, também escritos por João de Deus, como “Adeus”, dois outros denominados Último Adeus e A Vida, obra-prima do poeta e que se relaciona com o poema aqui analisado, sobretudo pala consciência do efêmero.

Para finalizar seu texto/aula, o professor Linhares Filho fala mais uma vez do seu prazer por lecionar e alerta os leitores (no caso, refere-se aos formandos de Letras) para as dificuldades que haverão de enfrentar, mas, de sobremaneira, encoraja-os para tal desempenho, oferecendo-os um poema intitulado Conquista que se segue abaixo:

Ao ultramar da dura prova chego,

e o tempo de suor não foi em vão.

Cada coisa ficou posta em sossego,

Transpostos Bojador e Cabo-Não.

Tenho a meu lado o cálido aconchego,

em que o cérebro e o peito pousarão.

Bendigo, todavia o triste ofego,

em que amadureceu uma canção.

Contemplo do alto a máquina do mundo,

como quem subjugou a onda e o frio,

e do esplendor de tudo já me inundo.

Aporto no limiar do próprio Ser,

fiando agora à parca um desafio:

faz-se de morte o tempo de viver.

NOTAS

1. Resenha apresentada ao Prof. Linhares Filho, na disciplina Literatura Portuguesa II.

2. Karyna Marques, graduanda do curso de Letras (UFC).

3. Linhares Filho. Andanças e marinhagens. Fortaleza: livro inédito, 1990.p.6

23 de out. de 2008

A flor na visão de Almeida Garret e Camões

Este ensaio fo gentilmente produzido e disponiblilizado pelo nosso colega Yuri Kalel Sampaio para que sirva de apoio e estímulo a outros discentes que desejem também poestar seus escritos em nosso blog.

Obrigada Yuri!



1. Introdução

Almeida Garrett, escritor português do início do século XIX, tem uma notável obra e foi responsável pela introdução da escola romântica em Portugal. Sua obra “Camões” é considerada a primeira da escola sentimental em Portugal, rompendo com os modelos delineados pelo arcadismo e ideologias iluministas. Porém, mesmo tendo inaugurado o período Romântico na sua terra, não se desvencilhou por completo dos modelos anteriores, fazendo com que suas obras ainda ficassem marcadas por elementos neoclássicos. O próprio autor afirma que acha necessário inibir as emoções, utilizando a razão como ponderadora, além de desenvolver uma poesia em que há uma preocupação com a forma, em que também se utiliza de personificações de estados e símbolos da antigüidade.
Um destes símbolos é a flor, a qual, na sua poesia de acentuado tom erótico, representa o objeto de desejo. Na obra “folhes caídas”, Garrett apresenta uma criação cheia de lirismo e sensualidade, na qual o “eu” lírico expõe seus sentimentos pela Viscondessa da Luz( Rosa Mentúfar Barreiros), que assumem diversas formas como desejo carnal, amor platônico, saudades. Essas variações ocorrem em um ambiente artificial de teatralidade, em notável clima de erotismo e ambigüidades, sendo a flor o principal recurso para expressar os duplos caminhos que o sentido de seus poemas pode seguir.
Através da Obra Camoniana, notamos uma convergência de pensamento entre os dois autores, no que confere do uso da rosa para expressar a sensualidade, deste modo simbolizando a mulher.

2. Análise

Em “Os Lusíadas”, uma das estrofes mais notáveis são aquelas que descrevem a beleza de Vênus, deusa romana do amor. Nos versos a seguir de grande lirismo, Camões compara as partes pudendas da deusa com um lírio:
Cum delgado Cendal as partes cobre
De quem vergonha é natural reparo;
Porém nem tudo esconde nem descobre
O véu, do roxo lírio pouco avaro;

“Roxo Lírio” é a forma como o Poeta chama as genitais de Vênus. Camões, apropriando-se de uma tradição clássica, recorre a um signo freqüente na literatura e cultura da antigüidade, a flor, que representa a mulher e sua intimidade, marcadamente usada em poemas de tom erótico e sensual.
Clima este que se acentua na poesia de Almeida Garrett. Em “folhas caídas”, livro de poemas, o “eu” lírico expressa suas nuances sentimentais, as quais representam as paixões do autor pela Viscondessa da Luz. Pelo fato de o autor ainda apresentar uma mentalidade presa aos modelos da época anterior, sua criação é permeada por uma estética clássica de composição, quanto à forma e o lirismo que exalta as sensações e os sentidos. Confere aos seus poemas um caráter ambíguo de erotismo, através de criações simbólicas, porém de fácil percepção devido aos elementos próprios do desejo carnal, como as percepções sensitivas:
Formosos- são os pomos saborosos,
É um mimo- de néctar o racimo:
E eu tenho fome e sede... Sequiosos,
Famintos meus desejos
Estão... Mas é de beijos, É só de ti- de ti!

Por fim, apontaremos um trecho em que a flor metaforiza a mulher desejada, sobretudo a intimidade, assim como elucidada nos versos camonianos. Pela exortação das sensações e percepção destas pelos sentidos, propicia um caráter de amor carnal:
Quem bebe, rosa, o perfume
Que de teu selo respira?
Um anjo, um silfo? Ou que nume
Com esse aroma delira?

Qual é o deus que namorado,
De seu trono te ajoelha,
E esse néctar encantado
Bebe oculto humilde abelha?

3. Conclusão
Na leitura proposta acima, notamos como a obra de dois escritores notáveis na literatura portuguesa, em escolas diferentes, pode ter elos de convergência. Camões e Almeida Garrett serviram-se da mesma fonte, a antigüidade clássica, e absorveram os seus símbolos e suas perspectivas, no que concerne principalmente ao amor e à mulher. Esta sempre descrita a obter um culto direcionado à sua beleza e sensualidade.