24 de out. de 2008

A Mensagem da Cultura Portuguesa

Mais um trabalho apresentado por nossos olegas de curso. Neste caso, Karyna Marques gentilmente cedeu-nos sua resenha acerca do texto "A Mensagem da Cultura Portuguesa", da autoria de Linhares Filho


RESENHA1

Karyna Marques2

LINHARES FILHO A Mensagem da Cultura Portuguesa

O presente texto trata-se de uma “aula da saudade ministrada pelo professor Linhares Filho, no ano de 1992, aos formandos do curso de letras da Universidade Federal do Ceará (UFC). Por conseguinte, o professor emociona-se, sente-se honrado de participar desta aula e agradece o gentil convite, mencionando seu imenso prazer de lecionar, sobretudo Literatura.

Faz um contorno através da Filosofia, mencionando Gibran Khalil Gibran que em seu livro O profeta define “fé” e “ternura” com tributos da sabedoria do mestre. Por esta mesma perspectiva, inspira-se o professor para desempenhar seu magistério, sempre enfatizando que é com muito prazer que o faz, além de ser por seu explícito amor pela arte literária. Destaca a importância e valorização da literatura como representação da cultura de um povo, especialmente a forte influência que a Literatura Portuguesa exerceu e exerce na literatura brasileira, apontando o laço que as une intimamente: a Língua Portuguesa.

O autor pede licença para recorrer a um poema de sua autoria - Invocação a Portugal 3 - como introdução do seu texto-aula. Dessa forma, transfigura os leitores para o ambiente português, tornando o momento propício para a reflexão e análise de um poema, considerando um dos mais belos do poeta romântico português, João de Deus. Toma, assim, a cançoneta Tristezas, objetivando relacioná-la á vida e, dessa forma, orientar, não apenas os formandos, mas os leitores em geral.

Na marcha da vida

Que vai a voar

Por esta descida

Caminho do mar,

Caminho da morte

Que ma há de arrancar

O grito mais forte

Que eu possa exalar;

O ai da partida

Da pátria, do lar,

Dos meus e da vida,

Da terra e do ar;

Já perto da onda

Que me há de tragar,

Embora se esconda

No fundo do mar;

De noite e de dia

Me alveja no ar

O fumo que eu via

Subir do meu lar!

Que sonhos doirados

Me estão a lembrar!

Mas tempos passados

Não podem voltar!

Carreira da vida,

Que vás a voar

Por estar descida,

Vai mais devagar;

Que eu vou deste mundo,

Talvez, descansar,

E nunca do fundo

Dos mares voltar!...

Por originar-se da terceira fase do Romantismo Português, o poema apresenta, dentre outras características, o tema da solidão, o culto ao passado e à natureza, e a sobreposição do sentimento à razão. Além disso, apresenta uma forte consciência da efemeridade da vida – pretexto do carpe diem -, próprio do Classicismo, mas que remonta também no Modernismo e na Pós-modernidade, influenciados pelo Existencialismo Ontológico.

Embora apresente características românticas, João de Deus situa-se, até certo ponto, como poeta de transição entre o Romantismo e o Realismo; não apresentou, pois, aspectos ultra-românticos, mas destaca-se por sua simplicidade e musicalidade. Poeta lírico-amoroso e místico, João possui certa dição a Camões e sua poesia apresenta traços que lembram o Trovadorismo.

Para uma melhor análise, divide-se o poema em três movimentos: no primeiro (cinco primeiras estrofes), verificam-se relembranças diante da vida que passa. No segundo movimento (sexta estrofe), o eu - lírico mostra-se consciente da extinção do passado. E no terceiro movimento, constatamos o apelo à vida para que não se vá. Nota-se a importância do mar metaforizado no poema, mormente através da homologia: “Caminho do mar, // caminho da morte”. O mar simboliza, portanto, o mistério que se encontra na morte; por situar-se num plano abaixo dos povoamentos, implica-se uma “descida” para ter-se acesso a ele, isto simboliza um “declínio” da vida. Vale ressaltar também que o mar para o homem português é causa de martírio e glória.

Faz-se importante perceber a oposição entre o fogo e a água. O fogo –representado no poema pelo termo “fumo” – que está no coração do homem e atiça-lhe os desejos, e a água do mar que, embora a vida dela tenha se originado, simboliza a morte. A sonoridade das rimas também ajuda muito para a compreensão do poema, assim, a insistente rima em “ar” significa a monótona e apressada “marcha da vida”.

Há também intertextualidade entre o poema Tristezas (transcrito anteriormente) e outros textos de despedida, também escritos por João de Deus, como “Adeus”, dois outros denominados Último Adeus e A Vida, obra-prima do poeta e que se relaciona com o poema aqui analisado, sobretudo pala consciência do efêmero.

Para finalizar seu texto/aula, o professor Linhares Filho fala mais uma vez do seu prazer por lecionar e alerta os leitores (no caso, refere-se aos formandos de Letras) para as dificuldades que haverão de enfrentar, mas, de sobremaneira, encoraja-os para tal desempenho, oferecendo-os um poema intitulado Conquista que se segue abaixo:

Ao ultramar da dura prova chego,

e o tempo de suor não foi em vão.

Cada coisa ficou posta em sossego,

Transpostos Bojador e Cabo-Não.

Tenho a meu lado o cálido aconchego,

em que o cérebro e o peito pousarão.

Bendigo, todavia o triste ofego,

em que amadureceu uma canção.

Contemplo do alto a máquina do mundo,

como quem subjugou a onda e o frio,

e do esplendor de tudo já me inundo.

Aporto no limiar do próprio Ser,

fiando agora à parca um desafio:

faz-se de morte o tempo de viver.

NOTAS

1. Resenha apresentada ao Prof. Linhares Filho, na disciplina Literatura Portuguesa II.

2. Karyna Marques, graduanda do curso de Letras (UFC).

3. Linhares Filho. Andanças e marinhagens. Fortaleza: livro inédito, 1990.p.6

23 de out. de 2008

A flor na visão de Almeida Garret e Camões

Este ensaio fo gentilmente produzido e disponiblilizado pelo nosso colega Yuri Kalel Sampaio para que sirva de apoio e estímulo a outros discentes que desejem também poestar seus escritos em nosso blog.

Obrigada Yuri!



1. Introdução

Almeida Garrett, escritor português do início do século XIX, tem uma notável obra e foi responsável pela introdução da escola romântica em Portugal. Sua obra “Camões” é considerada a primeira da escola sentimental em Portugal, rompendo com os modelos delineados pelo arcadismo e ideologias iluministas. Porém, mesmo tendo inaugurado o período Romântico na sua terra, não se desvencilhou por completo dos modelos anteriores, fazendo com que suas obras ainda ficassem marcadas por elementos neoclássicos. O próprio autor afirma que acha necessário inibir as emoções, utilizando a razão como ponderadora, além de desenvolver uma poesia em que há uma preocupação com a forma, em que também se utiliza de personificações de estados e símbolos da antigüidade.
Um destes símbolos é a flor, a qual, na sua poesia de acentuado tom erótico, representa o objeto de desejo. Na obra “folhes caídas”, Garrett apresenta uma criação cheia de lirismo e sensualidade, na qual o “eu” lírico expõe seus sentimentos pela Viscondessa da Luz( Rosa Mentúfar Barreiros), que assumem diversas formas como desejo carnal, amor platônico, saudades. Essas variações ocorrem em um ambiente artificial de teatralidade, em notável clima de erotismo e ambigüidades, sendo a flor o principal recurso para expressar os duplos caminhos que o sentido de seus poemas pode seguir.
Através da Obra Camoniana, notamos uma convergência de pensamento entre os dois autores, no que confere do uso da rosa para expressar a sensualidade, deste modo simbolizando a mulher.

2. Análise

Em “Os Lusíadas”, uma das estrofes mais notáveis são aquelas que descrevem a beleza de Vênus, deusa romana do amor. Nos versos a seguir de grande lirismo, Camões compara as partes pudendas da deusa com um lírio:
Cum delgado Cendal as partes cobre
De quem vergonha é natural reparo;
Porém nem tudo esconde nem descobre
O véu, do roxo lírio pouco avaro;

“Roxo Lírio” é a forma como o Poeta chama as genitais de Vênus. Camões, apropriando-se de uma tradição clássica, recorre a um signo freqüente na literatura e cultura da antigüidade, a flor, que representa a mulher e sua intimidade, marcadamente usada em poemas de tom erótico e sensual.
Clima este que se acentua na poesia de Almeida Garrett. Em “folhas caídas”, livro de poemas, o “eu” lírico expressa suas nuances sentimentais, as quais representam as paixões do autor pela Viscondessa da Luz. Pelo fato de o autor ainda apresentar uma mentalidade presa aos modelos da época anterior, sua criação é permeada por uma estética clássica de composição, quanto à forma e o lirismo que exalta as sensações e os sentidos. Confere aos seus poemas um caráter ambíguo de erotismo, através de criações simbólicas, porém de fácil percepção devido aos elementos próprios do desejo carnal, como as percepções sensitivas:
Formosos- são os pomos saborosos,
É um mimo- de néctar o racimo:
E eu tenho fome e sede... Sequiosos,
Famintos meus desejos
Estão... Mas é de beijos, É só de ti- de ti!

Por fim, apontaremos um trecho em que a flor metaforiza a mulher desejada, sobretudo a intimidade, assim como elucidada nos versos camonianos. Pela exortação das sensações e percepção destas pelos sentidos, propicia um caráter de amor carnal:
Quem bebe, rosa, o perfume
Que de teu selo respira?
Um anjo, um silfo? Ou que nume
Com esse aroma delira?

Qual é o deus que namorado,
De seu trono te ajoelha,
E esse néctar encantado
Bebe oculto humilde abelha?

3. Conclusão
Na leitura proposta acima, notamos como a obra de dois escritores notáveis na literatura portuguesa, em escolas diferentes, pode ter elos de convergência. Camões e Almeida Garrett serviram-se da mesma fonte, a antigüidade clássica, e absorveram os seus símbolos e suas perspectivas, no que concerne principalmente ao amor e à mulher. Esta sempre descrita a obter um culto direcionado à sua beleza e sensualidade.

22 de set. de 2008

Almeida garrett

João Baptista da Silva Leitão e mais tarde visconde de Almeida Garrett, (Porto, 4 de Fevereiro de 1799Lisboa, 9 de Dezembro de 1854) foi um escritor e dramaturgo romântico, orador, Par do Reino, ministro e secretário de Estado honorário português.
Grande impulsionador do teatro em Portugal, uma das maiores figuras do romantismo português, foi ele quem propôs a edificação do Teatro Nacional de D. Maria II e a criação do Conservatório de Arte Dramática.


Biografia

Primeiros anos

Litografia de Almeida Garrett por Pedro Augusto Guglielmi (Biblioteca Nacional de Portugal)

João Baptista da Silva Leitão nasceu no Porto a 4 de Fevereiro de 1799.Na adolescência foi viver para os Açores, na Ilha Terceira, quando as tropas francesas de Napoleão Bonaparte invadiram Portugal e onde era instruído pelo tio, D. Alexandre, bispo de Angra.

Em 1816 seguiu para Coimbra, onde se matriculou no curso de Direito. Em 1821 publicou O Retrato de Vénus, trabalho que lhe custou um processo por ser considerado materialista, ateu e imoral.E neste mesmo ano que ele e sua família passam a usar o apelido de Almeida Garrett.

Presença nas lutas liberais

Participou da revolução liberal de 1820, seguindo para o exílio na Inglaterra em 1823, após a Vilafrancada. Antes havia casado com Luísa Midosi, de apenas 14 anos. Foi em Inglaterra que tomou contacto com o movimento romântico, descobrindo Shakespeare, Walter Scott e outros autores e visitando castelos feudais e ruínas de igrejas e abadias góticas, vivências que se reflectiriam na sua obra posterior.

Em 1824, seguiu para França, onde escreveu Camões (1825) e Dona Branca (1826), poemas geralmente considerados como as primeiras obras da literatura romântica em Portugal. Em 1826 foi amnistiado e regressou à pátria com os últimos emigrados dedicando-se ao jornalismo, fundando e dirigindo o jornal diário O Português (1826-1827) e o semanário O Cronista (1827).

Teria de deixar Portugal novamente em 1828, com o regresso do Rei absolutista D. Miguel. Ainda nesse ano perdeu a filha recém-nascida. Novamente em Inglaterra, publica Adozinda (1828) e Catão (1828).

Juntamente com Alexandre Herculano e Joaquim António de Aguiar, tomou parte no Desembarque do Mindelo e no Cerco do Porto em 1832 e 1833.

Vida política

Almeida Garrett, Alexandre Herculano e José Estêvão de Magalhães nos Passos Perdidos, Assembleia da República Portuguesa

A vitória do Liberalismo permitiu-lhe instalar-se novamente em Portugal, após curta estadia em Bruxelas como cônsul-geral e encarregado de negócios, onde lê Schiller, Goethe e Herder. Em Portugal exerceu cargos políticos, distinguindo-se nos anos 30 e 40 como um dos maiores oradores nacionais. Foram de sua iniciativa a criação do Conservatório de Arte Dramática, da Inspecção-Geral dos Teatros, do Panteão Nacional e do Teatro Normal (actualmente Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa). Mais do que construir um teatro, Garrett procurou sobretudo renovar a produção dramática nacional segundo os cânones já vigentes no estrangeiro.
Com a vitória cartista e o regresso de Costa Cabral ao governo, Almeida Garrett afasta-se da vida política até 1852.Contudo, em 1850 subscreveu, com mais de 50 personalidades, um protesto contra a proposta sobre a liberdade de imprensa, mais conhecida por “lei das rolhas”.

Garrett sedutor

A vida de Garrett foi tão apaixonante quanto a sua obra. Revolucionário nos anos 20 e 30, distinguiu-se posteriormente sobretudo como o tipo perfeito do dandy, ou janota, tornando-se árbitro de elegâncias e príncipe dos salões mundanos.Foi um homem de muitos amores, uma espécie de homem fatal. Separado da esposa, passa a viver em mancebia com D. Adelaide Pastor até à morte desta em 1841.

A partir de 1846, a sua musa é a viscondessa da Luz, Rosa Montufar Infante, andaluza casada, desde 1837, com o oficial do exército português Joaquim António Velez Barreiros, inspiradora dos arroubos românticos das Folhas caídas.

Por decreto do Rei D. Pedro V de Portugal datado de 25 de Junho de 1851 Garrett é feito Visconde de Almeida Garrett em vida (tendo o título sido posteriormente renovado por 2 vezes). Em 1852 sobraça, por poucos dias, a pasta dos Negócios Estrangeiros em governo presidido pelo Duque de Saldanha.

Falece em 1854, vítima de cancro, em Lisboa, na sua casa situada na actual Rua Saraiva de Carvalho, em Campo de Ourique.

Obras

Teatro

Dá início ao seu projeto de regeneração do teatro português, levando à cena em 1838 Um Auto de Gil Vicente, pouco antes Filipa de Vilhena e, em 1842, O Alfageme de Santarém, todas sobre temas da história de Portugal.

Em 1844 é publicada a sua obra-prima, Frei Luís de Sousa, que um crítico alemão, Otto Antscherl, considerou a "obra mais brilhante que o teatro romântico produziu". Estas peças marcam uma viragem na literatura portuguesa não só na selecção dos temas, que privilegiam a história nacional em vez da antiguidade clássica, como sobretudo na liberdade da acção e na naturalidade dos diálogos.

Prosa

Almeida Garret pelo escultor Barata Feyo

Em 1843, Garrett publica o Romanceiro e o Cancioneiro Geral, colectâneas de poesias populares portuguesas, e em 1845 o primeiro volume d'O Arco de Santana (o segundo apareceria em 1850), romance histórico inspirado por Notre Dame de Paris de Victor Hugo. Esta obra seduz não só pela recriação do ambiente medieval do Porto, mas sobretudo pela qualidade da prosa,longe das convenções anteriores e muito mais próxima da linguagem falada.

A obra que se lhe seguiu deu expressão ainda mais vigorosa a estas tendências: Viagens na minha terra, livro híbrido em que impressões de viagem, de arte, paisagens e costumes se entrelaçam com uma novela romântica sobre factos contemporâneos do autor e ocorridos na proximidade dos lugares descritos (outra inovação para a época, em que predominava o romance histórico). A naturalidade da narrativa disfarça a complexidade da estrutura desta obra, em que alternam e se entrecruzam situações discursivas, estilos, narradores e temas muito diversos.

Poesia

Na poesia, Garrett não foi menos inovador. As duas coletâneas publicadas na última fase da sua vida (Flores sem fruto, de 1844, e sobretudo Folhas caídas, de 1853) introduziram uma espontaneidade e uma simplicidade praticamente desconhecidas na poesia portuguesa anterior.

Ao lado de poemas de exaltada expressão pessoal surgem pequenas obras-primas de singeleza ímpar como «Pescador da barca bela», próximas da poesia popular quando não das cantigas medievais. A liberdade da metrificação, o vocabulário corrente, o ritmo e a pontuação carregados de subjectividade são as principais marcas destas obras.

Cronologia das obras

Almeida Garret pelo escultor António Pinheiro

Primeiras edições ou representações

Publicações periódicas

Bibliografia ordenada e completada

Poemas

  • Hino Patriótico, poema. Porto, 1820
  • Ao corpo académico, poema. Coimbra 1821
  • Retrato de Vénus, poema Coimbra, 1821
  • Camões, poema. Paris, 1825
  • Dona Branca ou a Conquista do Algarve, poema. Paris, 1826 (pseud. de F. E.)
  • Adozinda, poema. Londres, 1828
  • Lyrica de João Mínimo. Londres, 1829
  • Miragaia, poesia. Lisboa, 1844
  • Flores sem Fruto, poesia. Lisboa, 1845
  • Os Exilados, À Senhora Rossi Caccia , poesia. Lisboa, 1845
  • Folhas Caídas, poesia. Rio de Janeiro e depois Lisboa,1853
  • Camões, poema. 4ª ed. revista, com estudo de Camilo Castelo Branco. Porto, 1854
Obras póstumas
  • Dona Branca ou a Conquista do Algarve, poema. Porto Alegre, 1859
  • Dona Branca ou a Conquista do Algarve, poema. Nova York, 1860
  • Bastardo do Fidalgo, poema. Porto, 1877
  • Odes Anacreônticas: Ilha Graciosa. Évora, 1903
  • A Anália, poesia inédita de Garrett. Lisboa 1932 (redac., Porto 1819)
  • Magriço ou Os Doze de Inglaterra, poema. Coimbra, 1948
  • Roubo das Sabinas, poemas libertinos I. Lisboa, 1968
  • Afonseida, ou Fundação do Império Lusitano, poema. Lisboa 1985 (pseud.: Josino Duriense, redac., Angra 1815-16)
  • Poesias Dispersas. Lisboa, 1985
  • Magriço e os Doze de Inglaterra, poema incompleto, Lisboa, 1914

Peças teatrais

  • Catão, tragédia. Coimbra, 1822
  • Catão, tragédia. Londres, 1830
  • Catão, tragédia. Rio de Janeiro, 1833
  • Mérope, tragédia. Lisboa, 1841
  • O Alfageme de Santarém ou A Espada do Condestável. Lisboa, 1842
  • Um Auto de Gil Vicente. Lisboa, 1842
  • Dona Filipa de Vilhena, comédia. Lisboa, 1846
  • Falar Verdade a Mentir, comédia. Lisboa 1846
  • Camões do Rossio, comédia. Lisboa, 1852 (co-autoria de Inácio Feijó)
Obras póstumas
  • Um noivado no Dafundo ou cada terra com seu uso cada roca com seu fuso: provérbio n'um acto. 1ª ed. Lisboa, 1857 (redac., Lisboa, 1847)
  • Átala, drama. Lisboa, 1914 (redac., Coimbra 1817),
  • Lucrécia, tragédia, Lisboa, 1914
  • Afonso de Albuquerque, tragédia; Lisboa, 1914
  • Sofonisba, tragédia; Lisboa, 1914
  • O Amor da Pátria, elogio dramático; Lisboa, 1914
  • La Lezione Agli Amanti, ópera bufa; Lisboa, 1914
  • Conde de Novion, comédia; Lisboa, 1914
  • Édipo em Colona, tragédia. Lisboa, 1952 (redac.: Porto 1820)
  • Ifigénia em Tauride, tragédia. Lisboa, 1952 (redac., Angra do Heroísmo 1816)
  • Falar Verdade a Mentir, comédia. Rio de Janeiro, 1858
  • As Profecias do Bandarra, comédia. Lisboa, 1877 (redac., Lisboa 1845)
  • Os Namorados Extravagantes, drama. Coimbra 1974 (redac., Sintra 1822)
  • Impronto de Sintra, comédia. Lisboa, Guimarães, Libanio, ???? (redac., Sintra, 1822)

Artigos, ensaios, biografias e folhetos

  • Proclamações Académicos, Coimbra, 1820, folhetos
  • O Dia Vinte e Quatro de Agosto, ensaio político. Lisboa, 1821, 53 p.
  • Aos Mortos no Campo da Honra de Madrid, folheto. Lisboa, Jornal da Sociedade Literária Patriótica, 1822
  • Da Europa e da América e de Sua Mútua Influência na Causa da Civilização e da Liberdade, ensaio político. Londres 1826
  • Da Educação. Londres, 1829
  • Portugal na Balança da Europa: do que tem sido e do que ora lhe convém ser na nova ordem de coisas do mundo civilizado, Londres, 1830
  • Relatório dos Decretos nº 22, 23 e 24 (Reorganização da Fazenda, Administração Pública e Justiça). Lisboa, 1832, folheto
  • Manifesto das Cortes Constituintes à Nação, folheto. Lisboa, 1837
  • Necrologia do Conselheiro Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato, Lisboa, 1838
  • Relatório ao Projecto de Lei sobre a Propriedade Literária e Artística, Lisboa, 1839
  • Memória Histórica do Conselheiro A. M. L. Vieira de Castro, Lisboa, 1843
  • Conselheiro J. B. de Almeida Garrett, autobiografia. Lisboa, 1844
  • Memória Historica da Duqueza de Palmella: D. Eugénia Francisca Xavier Telles da Gama, Lisboa, 1845
  • Memória Histórica do Conde de Avilez, 1ª ed., Lisboa, 1845
  • Da Poesia Popular em Portugal, ensaio literário. Lisboa, 1846
  • Sermão pregado na dedicação da capela de Nª Srª da Bonança, folheto, Lisboa, 1847
  • A Sobrinha do Marquês, Lisboa, 1848, 176 p.
  • Memória Histórica de J. Xavier Mousinho da Silveira, Lisboa, 1849
  • Necrologia de D.ª Maria Teresa Midosi, Lisboa, 1950
  • Protesto Contra a Proposta sobre a Liberdade de Imprensa, abaixo-assinado/folheto. Lisboa 1850 (subscrito, à cabeça, por Alexandre Herculano e mais cinquenta personalidades, contra o projecto de «lei das rolhas» apresentado pelo governo)
Obras póstumas
  • Discursos Parlamentares e Memorias Biographicas, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, 438, p.
  • Necrologia do Sr. Francisco Krus; Monumento ao Duque de Palmela, D. Pedro de Sousa Holstein, Lisboa, 1899 (redac., Lisboa, 1839);
  • Memórias Biográficas, Lisboa, Empreza da História de Portugal, 1904
  • Necrologia à Morte de D. Leocádia Teresa de Lima e Melo Falcão Vanzeler, Lisboa, 1904 (redac., Lisboa, 1848)
  • Apontamentos Biográficos do Visconde d'Almeida Garrett, autobiografia. Porto, 1916
  • Entremez dos Velhos Namorados que Ficaram Logrados, Bem Logrados, Lisboa, 1954 (redac., 1841)

Romances, cancioneiros e contos

  • Bosquejo da História da Poesia e da Língua Portuguesa, Paris, 1826
  • Lealdade, ou a Vitória da Terceira, canção. Londres, 1829
  • Romanceiro e Cancioneiro Geral, vol. I. Lisboa, 1843
  • O Arco de Sant'Ana, romance. Lisboa, na Imprensa Nacional, 1845, vol. 1
  • Viagens na Minha Terra, romance. Lisboa, Typ. Gazeta dos Tribunais, 1846, 2 v.
  • O Arco de Sant'Ana, romance. Lisboa, na Imprensa Nacional, 1850, vol. 2
  • Romanceiro e Cancioneiro Geral, vols. II e III, Lisboa 1851
Obras póstumas
  • Helena: fragmento de um romance inédito. Lisboa, 1871
  • Memórias de João Coradinho, aventuras picarescas. Lisboa, 1881 (redac., 1825)
  • Joaninha dos Olhos Verdes. Lisboa, 1941
  • Komurahi - História Brasileira, conto. 1956 (redac., 1825)
  • Cancioneiro de romances, xácaras e soláus e outros vestígios da antiga poesia nacional. Lisboa, 1987 (redac., 1824)

Cartas e diários

  • Carta de Guia para Eleitores, em Que se Trata da Opinião Pública, das Qualidades para Deputado e do Modo de as Conhecer, ensaio político. Lisboa, 1826
  • Carta de M. Cévola ao futuro editor do primeiro jornal liberal que em português se publicar, panfleto político. Londres, 1830 (pseud.: Múcio Cévola)
  • Carta sobre a origem da língua portuguesa, ensaio literário. Lisboa, 1844
Obras póstumas
  • Diário da minha viagem a Inglaterra, Lisboa 1881 (redac., Birmingham, 1823
  • Cartas a Agostinho José Freire, Lisboa, 1904, 132 p. (redac., Bruxelas, 1834)
  • Cartas Íntimas, edição revista, coordenada e dirigida por Teófilo Braga. Lisboa, Empresa da História de Portugal, 1904, 172 p.
  • Cartas de Amor à Viscondessa da Luz, Lisboa, 1955
  • Correspondência do Conservatório, Lisboa, 1995 (redac.: Lisboa 1836 – 1841)
  • Cartas de Amor à Viscondessa da Luz

Discursos

  • Oração Fúnebre de Manuel Fernandes Tomás, Lisboa, 1822
  • Parnaso Lusitano ou Poesias Selectas de Autores Antigos e Modernos, Paris, 1826-1827, 5 v.
  • Elogio Fúnebre de Carlos Infante de Lacerda, Barão de Sabrozo, Londres, 1830
  • Da formação da segunda Câmara das Côrtes: discursos pronunciados pelo deputado J. B. de Almeida Garrett nas sessões de 9 a 12 de Outubro de 1837, Lisboa, Imprensa Nacional, 1837
  • Discurso do Sr. Deputado pela Terceira J. B. de Almeida Garrett na discussão, Lisboa, 1840
  • Discurso do Sr. Deputado por Lisboa J. B. de Almeida Garrett, na discussão da Lei da Decima, Lisboa, 1841
  • Discussão da Resposta ao Discurso da Coroa, pronunciado na sessão de 8 de Fevereiro de 1840, Lisboa, 1840
  • Elogio Histórico do Sócio Barão da Ribeira de Saborosa, Lisboa, 1843
  • Parecer da Comissão sobre a Unidade Literária, Lisboa, 1846 (dito Parecer sobre a Neutralidade Literária, da Associação Protectora da Imprensa Portuguesa, assinado por Rodrigo da Fonseca Magalhães, Visconde de Juromenha, Alexandre Herculano e João Baptista de Almeida Garrett)
Obras póstumas
  • Política: reflexões e opúsculos, correspondência diplomática. Lisboa, 1904, 2 v.

Participação em publicações periódicas

  • Toucador - Periódico sem política, dedicado às senhoras portuguesas. Lisboa, 1822 (direcção e redacção)
  • Heraclito e Demócrito. Lisboa, 1823
  • Português - Diário político, literário e comercial. Lisboa, 1826 – 1827 (direcção e redacção)
  • Cronista - Semanário de política, literatura, ciências e artes. Lisboa, 1827 (direcção e redacção)
  • Chaveco Liberal. Londres, 1829 (direcção e redacção)
  • Precursor. Londres, 1831
  • Português Constitucional. Lisboa, 1836 (direcção e redacção)
  • Entreacto, Jornal de Teatros. Lisboa, 1837 (fundação, direcção e redacção)
  • Jornal do Conservatório. Lisboa, 1841 (fundação)
  • Jornal das Belas-Artes. Lisboa, 1843 – 1846 (fundação)
  • Ilustração - Jornal Universal. Lisboa, 1845 – 1846 (fundação)

Relevância na literatura portuguesa






No século XIX e em boa parte do século XX, a obra literária de Garrett era geralmente tida como uma das mais geniais da língua, inferior apenas à de Camões. A crítica do século XX (notavelmente João Gaspar Simões) veio questionar esta apreciação, assinalando os aspectos mais fracos da produção garrettiana.

No entanto, a sua obra conservará para sempre o seu lugar na história da literatura portuguesa, pelas inovações que a ela trouxe e que abriram novos rumos aos autores que se lhe seguiram. Garrett, até pelo acentuado individualismo que atravessa toda a sua obra, merece ser considerado o autor mais representativo do romantismo em Portugal.

17 de set. de 2008

Romantismo

INTRODUÇÃO.
As novas ideologias políticas, econômicas e sociais, vieram intervir na sociedade do século XIII. A influência das revoluções francesa e industrial e do pensamento liberal se deu em todos os campos, e a própria literatura mostra essas influências. A liberdade sobrepuja as regras, a razão predomina sobre a emoção. Instaura-se um novo modo de expressão em toda a Europa e, conseqüentemente em Portugal.
CONCEITO.
O Romantismo, designa uma tendência geral da vida e da arte, um certo momento delimitado. O comportamento romântico caracteriza-se pelo sonho, pelo devaneio, por uma atitude emotiva, subjetiva, diante das coisas. Afinal, o pensamento romântico vai muito além do que podemos ver; procura desvendar o que estamos sentindo. O Romantismo não conta, faz de conta, idealiza um universo melhor, defendendo a idéia da expressão do eu-lírico, onde prevalece o tom melancólico, falando de solidão e nostalgia.
Enfim, o ideal romântico, tenta colocar o universo que presenciamos, de forma subjetiva, sendo que a expressão do sentimentalismo não precisa obedecer a nenhuma regra, antes adorada pelos clássicos.
INTRODUÇÃO DO ROMANTISMO EM PORTUGAL.
O advento do Romantismo em Portugal, vem apenas confirmar a diluição do Arcadismo.
Portugal, é reflexo dos dois acontecimentos que marcaram e mudaram a face da Europa na segunda metade do século XVIII: a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, responsáveis pela abolição da monarquias aristocratas e pela introdução da burguesia que então, dominara a vida política, econômica e social da época. A luta pelo trono em Portugal, se dá com veemência, gerando conturbação e desordem interna na nação.
Com isso, Almeida Garrett acaba por exilar-se na Inglaterra, onde entra em contato com a Obra de Lord Byron e Scott. Ao mesmo tempo, por estar presenciando o Romantismo inglês, envolve-se com o teatro de William Shakespeare.
Em 1825, Garrett publica a narrativa Camões, inspirando-se na epopéia Os Lusíadas. A narrativa deste autor, é uma biografia sentimental de Camões.
Este poema é considerado introdutor do Romantismo em Portugal, por apresentar características que viriam se firmar no espírito romântico: versos decassílabos brancos, vocabulário, subjetivismo, nostalgia, melancolia, e a grande combinação dos gêneros literários.
CARACTERÍSTICAS.
O Romantismo foi encarado como uma nova maneira de se expressar, enfrentar os problemas da vida e do pensamento.
Esta escola, repudiava os clássicos, opondo-se às regras e modelos, procurando a total liberdade de criação, além de defender a "impureza" dos gêneros literários. Com o domínio burguês, ocorre a profissionalização do escritor, que recebe uma remuneração para produzir a obra, enquanto o público paga para consumi-la. O escritor romântico projetava-se para dentro de si, tendo como fonte o eu-lírico, do qual fluía um diverso conteúdo sentimentalista e, muitas vezes, melancólico da vida, do amor e, às vezes, exageradamente, da própria morte. A introversão era característica essencialmente romântica.
A natureza, assim como a mulher são importantes pontos desse momento. O homem, idealizava a mulher como uma deusa, coisa divina e, com isso, retornava ao passado, no trovadorismo, onde as "madames" eram tão sonhadas e desejadas, mesmo que fossem inatingíveis. Ao procurar a mulher de seus sonhos e, então, frustrar-se por não encontrá-la ou, muitas vezes, por encontrá-la e perdê-la, o romântico entrava em constante devaneio. Para amenizar a situação, ao escrever despojava todos os seus anseios, procurando fugir da realidade, usando do escapismo, onde, não raramente, tinha a natureza como confidente. Outra forma de escapismo utilizada, era o escapismo pela obscuridade, onde buscavam o bem-estar nos ambientes fúnebres e obscuros. Essas frustrações tidas por amores ou simples desilusões com a vida, provocaram muitos suicídios. Daí a grande freqüência dos temas de morte nos poemas românticos, o que caracteriza o mal-do-século.
O PRIMEIRO MOMENTO DO ROMANTISMO.
Como toda tendência nova, o Romantismo não veio implantar-se totalmente nos primeiros momentos em Portugal. Inicialmente, buscava-se gradativamente, apagar os modelos clássicos que ainda permeavam o meio sócio-econômico. Os escritores dessa época, eram românticos em espírito, ideal e ação política e literária, mas ainda clássicos em muitos aspectos.
Almeida Garrett.
Almeida Garrett, cultivou a oratória parlamentar, o pensamento pedagógico e doutrinário, o jornalismo, a poesia, a prosa de ficção e o teatro, o qual entrou em contato com o de Shakespeare quando em exílio na Inglaterra. Teve uma vida sentimental bastante atribulada em que se sobressai o seu romance adúltero com a viscondessa da Luz, a qual inspirou seus melhores poemas.
Na poesia, assimilou os moldes clássicos e morreu sem tornar-se romântico autêntico, pois carecia do egocentrismo tão almejado pelos românticos, deixando sua fantasia no teatro e na prosa de ficção. Escreveu Camões (1825), Dona Branca (1826), Folhas Caídas (1853), Viagens na minha terra (1846), dentre outras.
Alexandre Herculano.
Herculano, exilou-se na Inglaterra e na França, criando polêmica com o clero, por participar da lutas liberais. Junto com Garrett, foi um intelectual que atuou bastante nos programas de reformas da vida portuguesa.
Na ficção de Herculano, prevalece o caráter histórico dos enredos, voltados para a Idade Média, enfocando as origens de Portugal como nação. Além disso, ocorrem muitos temas de caráter religioso. Quanto à sua obra não-ficcional, os críticos consideram que renovou a historiografia, uma vez que se baseia não mais em ações individuais, mas no conflito de classes sociais para explicar a dinâmica da história.
Sua obras principais são: A harpa do crente (1838), Eurico, o presbítero (1844), dentre outras.
Castilho.
Castilho, tem como principal papel traduzir poetas clássicos. Sua passagem pelo Romantismo é discreta, mesmo que tenha sido o provocador da Questão Coimbrã.
A história de Castilho é a dum grande mal-entendido: graças à cegueira, que lhe dava um falso brilho de gênio à Milton, mais do que à sua poesia, alcançou injustamente ser venerado como mestre pelos românticos menores. Não obstante válida historicamente, sua poesia caiu em compreensível esquecimento.
O SEGUNDO MOMENTO DO ROMANTISMO.
Neste momento, desfazem-se os enlaces arcádicos que ainda envolviam os escritores da época. Aqui, notamos com plena facilidade o domínio da estética e da ideologia romântica. Os escritores tomam atitudes extremas, transformando-se em românticos descabelados, caindo fatalmente no exagero, tendenciando temas soturnos e fúnebres, tudo expresso numa linguagem fácil e comunicativa.
Soares de Passos.
Soares de Passos constitui a encarnação perfeita do "mal-do-século". Vivendo na própria carne os devaneios de que se nutria a fértil imaginação de tuberculoso, sua vida e sua obra espelham claramente o prazer romântico do escapismo das responsabilidades sociais da época, acabando por cair em extremo pessimismo, um incrível desalento derrotista
Obra: Poesias (1855).
Camilo Castelo Branco.
Casou-se com uma jovem de 15 anos, a quem abandonou com uma filha; em seguida raptou outra moça, sua prima, e com ela passou a viver. Acusado de bigamia, foi preso. Sua primeira esposa morreu e, logo em seguida, a filha. Abandonou a prima e viveu amores passageiros com outra jovem e com uma freira. Uma crise religiosa levou-o a ingressar num seminário, do qual desistiu. Conheceu Ana Plácido, senhora casada que seria o grande amor de sua vida. Ocorre sua primeira tentativa de suicidar-se, diante da impossibilidade de viver com ela. Mas, finalmente passaram a viver juntos o que lhes custou um processo por adultério. Ambos foram presos. Na prisão, Camilo escreveu Amor de Perdição. Absolvidos e morto o marido de Ana, se casaram. Alguns anos depois da morte de Ana, Camilo, vencido pela cegueira, acaba por suicidar-se.
Suas obras principais: Amor de salvação (1864), A queda dum anjo (1866), dentre outras.
O TERCEIRO MOMENTO DO ROMANTISMO.
Acontece aqui, um tardio florescimento literário que corresponde ao terceiro momento do Romantismo, em fusão dos remanescentes do Ultra-Romantismo. Esse período é marcado pela presença de poetas, como João de Deus, Tomás Ribeiro, Bulhão Pato, Xavier de Novais, Pinheiro Chagas e Júlio Dinis, que purificam até o extremo as características românticas.
Tomás Ribeiro mistura a influência de Castilho e de Victor Hugo, o que explica o caráter entre passadista e progressista da sua poesia.
Bulhão Pato começa ultra-romântico e evolui, através duma sátira às vezes cortante, para atitudes realistas e parnasianas.
Faustino Xavier de Novais dirigiu uma folha literária. Satirizou o Ultra-Romantismo.
Manuel Pinheiro Chagas cultivou a poesia de Castilho, que motivou a Questão Coimbrã; a historiografia e a crítica literária.
João de Deus.
João de Deus foi apenas poesia. Lírico de incomum vibração interior, pôs-se à margem da falsa notoriedade e dos ruídos da vida literária e manteve-se fiel até o fim a um desígnio estético e humano que lhe transcendia a vontade e a vaidade. Contemplativo por excelência, sua poesia é a dum "exilado" na terra a mirar coisas vagas e por vezes a se deixar estimular concretamente.
Júlio Dinis.
Os poemas de Júlio Dinis armam-se sobre uma tese moral e teleológica, na medida em que pressupõem uma melhoria, embora remota, para a espécie humana, frontalmente contrária à desesperação e ao amoralismo cético dos ultra-românticos, numa linguagem coerente, lírica e de imediata comunicabilidade. Conduz suas histórias, sempre a um epílogo feliz, não considerando a heroína como "mulher demônio", mas sim como "mulher anjo".
Sua principal obra: As pupilas do senhor reitor.

CONCLUSÃO.
Compreendemos que o Romantismo, não passou de uma forma de repudiar as regras que contornavam e preenchiam o campo literário da época que, juntamente com a ideologia vigente, traziam um enorme descontentamento. Este momento em que a literatura presenciava, talvez fosse, o marco principal para a definitiva liberdade de expressão do pensamento, que viria se firma, tardiamente com o Modernismo.

31 de ago. de 2008

Poemas de Bocage

Já sobre o coche de ébano estrelado,
Deu meio giro a Noite escura e feia,
Que profundo silêncio me rodeia
Neste deserto bosque, à luz vedado!

Jaz entre as folhas Zéfiro abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, às trevas acostumado.

Só eu velo, só eu, pedindo à Sorte
Que o fio com que está mih'alma presa
À vil matéria lânguida, me corte.

Consola-me este horror, esta tristeza,
Porque a meus olhos se afigura a Morte
No silêncio total da Natureza.
______


Das terras a pior tu és, ó Goa,
Tu pareces mais ermo que cidade,
Mas alojas em ti maior vaidade
Que Londres, que Paris ou que Lisboa.

A chusma de teus íncolas pregoa
Que excede o Grão Senhor na qualidade;
Tudo quer senhoria; o próprio frade
Alega, para tê-la, o jus da c'roa!

De timbres prenhe estás; mas oiro e prata
Em cruzes, com que dantes te benzias,
Foge a teus infanções de bolsa chata.

Oh que feliz e esplêndida serias,
Se algum fusco Merlim, que faz bagata,
Te alborcasse a pardaus as senhorias!

_____


Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co'o sacrílego gigante.

Como tu, junto ao Ganges sussurante,
Da penúria cruel no horror me vejo.
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.

Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.

Modelo meu tu és, mas . . . oh, tristeza! . . .
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.

_____


Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;


Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;


Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;


Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.


Bocage e seus poemas eróticos



A fama do português Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) não se divide apenas em "boa" e "má", isto é, entre a modelar poesia arcádica ou romântica e a malexemplar poesia fescenina: esta mesma é motivo de controvérsia, a partir do ponto em que foi renegada pelo próprio autor. Não vou aqui esmiuçar fatos e versões de fontes e perversões. Limito-me a resgatar, para o sítio poético da POP BOX, a parcela expurgada da produção bocagiana, tal como fiz com as "obras livres" de Laurindo Rabelo, sucessor de Bocage no Brasil. Ao selecionar e anotar os sonetos eróticos do lusitano, não pude, sem embargo, manter-me indiferente a uma hipótese apócrifa que vem incomodando alguns biógrafos e historiadores. Que Bocage era genial não cabe dúvida, como não se desmente a vida devassa que dá respaldo a seus versos. O que intriga o pesquisador é a tendência a atribuir ao maldito obras que ele mesmo admitia serem de outrem, mas que editores e leitores "preferiam" que fossem dele, seja por admiração ou difamação. Hoje não dá para propor revisionismos no que já se tornou lendário. Resta simplesmente registrar algumas autorias, que, se fossem cabalmente restabelecidas, dariam a entender que pelo menos o sonetário pornográfico pertenceria a nomes menos conhecidos, senão obscuros.

Citam-se entre os indícios o fato de que o soneto VI teria sido repudiado por Bocage, sob alegação do tipo "se fosse meu, o verso 8 ficaria assim ou assado" (nota 3); ou o fato de que o soneto XXXII, que já parece requentado em comparação com um anônimo do século anterior (nota 14), figura em certas antologias como assinado pelo Abade de Jazente (vulgo de Paulino António Cabral de Vasconcellos). Mas a mim parece mais interessante verificar que grande parte dos sonetos mais sexualmente descritivos e desreprimidos foi achada num caderno onde, segundo algumas fontes, constava o nome de Pedro José Constâncio, cuja biografia ainda não figura nas enciclopédias e compêndios literários. Além do que vai referido na nota 16, vale acrescentar alguma parca informação sobre esse meu xará de cuja obra Bocage teria se "apropriado".

Irmão dum prestigiado escritor (Francisco Solano Constâncio, autor, entre diversos tratados, duma HISTÓRIA DO BRASIL), o Pedro que também foi Podre morreu, sem completar seus quarenta, antes de 1820 e viveu marginalmente, entre a putaria e a loucura. Ou, como se cita, "Enfermidades geradas pelos excessos venéreos a que se dava, sem escolha nem reserva, o levaram a um estado valetudinário, atrofiando-lhe as faculdades, e tornando-o incapaz de toda a aplicação." Filho dum cirurgião da corte de D. Maria I, chegou a bacharelar-se em cânones pela Universidade de Coimbra, mas só se tem notícia de seu convívio com os poetas contemporâneos (entre os quais Bocage e José Agostinho) justamente porque estes costumavam interceder em seu favor quando era perseguido e punido pelo comportamento anti-social, ou seja, quando era preso por se exibir pelado em público ou por escrever poemas como o soneto XLVIII, que, segundo denúncia ao intendente da polícia, era "licencioso" e alusivo à "fornicação dos cães dentro das igrejas". Entre os poucos poemas de Constâncio que apareceram impressos está o soneto que reproduzo na nota 16, o qual foi (1812) incluído "por engano" pelo editor das obras de Bocage e excluído (1820) na reedição.

Fundamentada ou não, a polêmica sobre os sonetos bocagianos ou constancianos permanece secundária diante do propósito desta seleta, que é introduzir na rede virtual outra pequena parcela do inesgotável "veio subterrâneo" (como dizia José Paulo Paes) da poesia vernácula: a fescenina. Assim pago meu tributo àqueles que me foram antecessores no gênero que escolhi e que levo avante no livro O GLOSADOR MOTEJOSO, no qual pinço alguns dos versos abaixo como motes para as glosas que compus no "martelo agalopado", ou seja, o decassílabo heróico iniciado por pé anapéstico ao invés de jâmbico.

Quase todos os sonetos infra transcritos foram tirados duma edição paulistana (1969), dentre as inúmeras cópias que circulam, mais ou menos clandestinamente, do livro POESIAS ERÓTICAS, BURLESCAS E SATÍRICAS, ao qual me reporto nos pontos assinalados pela expressão "nota da fonte".

São Paulo, janeiro de 2002

GLAUCO MATTOSO

III [SONETO DO MEMBRO MONSTRUOSO]

Esse disforme, e rígido porraz
Do semblante me faz perder a cor:
E assombrado d'espanto, e de terror
Dar mais de cinco passos para trás:

A espada do membrudo Ferrabrás
De certo não metia mais horror:
Esse membro é capaz até de pôr
A amotinada Europa toda em paz.

Creio que nas fodais recreações
Não te hão de a rija máquina sofrer
Os mais corridos, sórdidos cações:

De Vênus não desfrutas o prazer:
Que esse monstro, que alojas nos calções,
É porra de mostrar, não de foder.

V [SONETO AO ÁRCADE FRANÇA]

No canto de um venal salão de dança,
Ao som de uma rebeca desgrudada,
Olhos em alvo, a porra arrebitada,
Bocage, o folgazão, rostia o França. (2)

Este, com mogigangas de criança,
Com a mão pelos ovos encrespada,
Brandia sobre a roxa fronte alçada
Do assanhado porraz, que quer lambança.

Veterana se faz a mão bisonha;
Tanto a tempo meneia, e sua o bicho,
Que em Bocage o tesão vence a vergonha:

Quis vir-me por luxúria, ou por capricho;
Mas em vez de acudir-lhe alva langonha
Rebenta-lhe do cu merdoso esguicho.


(2) "Bocage, o folgazão, rostia o França." Se o soneto foi escrito, como
parece, pouco antes das contendas com os Árcades, isto é, entre os anos
de 1791 e 1793, o França, nascido em 1725, devia então contar os seus 67
de idade! -- "Rostir" é verbo neutro, que em sentido figurado significa
"mastigar". Fazemos aqui esta observação, porque já notamos que alguém
entrou em dúvida acerca da verdadeira inteligência do vocábulo. [nota da
fonte]

[nota de GM] Reparo como os críticos ficam cheios de dedos, relutantes
em admitir qualquer conotação homossexual na poesia de Bocage, ainda que
o poeta, em sonetos como o XV e o xx, não escondesse que um cu masculino
lhe era apetecível. Neste caso, o sentido de "rostir", além de surrar,
esbofetear, roçar, esfregar-se em, bolinar ou mesmo desonrar moralmente,
pode muito bem aludir ao sexo oral ou anal, pouco importando se o tal
França fosse o árcade ou outro mais jovem, já que o objetivo é expor o
satirizado ao ridículo.


VI (3) [SONETO DE TODAS AS PUTAS]

Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:

Dido foi puta, e puta d'um soldado;
Cleópatra por puta alcança a c'roa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado:

Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:

Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques pois, oh Nise, duvidosa
Que isso de virgo e honra é tudo peta.

(3) Variante sugerida pelo próprio Bocage para o verso oitavo:
"Não passa o cono teu por cono honrado".

[nota de GM] Este soneto suscitou dúvidas sobre a autoria (que alguns
atribuem a João Vicente Pimentel Maldonado) e inspirou várias paródias,
entre as quais esta:


XIX (9) [SONETO MAÇÔNICO]

Turba esfaimada, multidão canina,
Corja, que tem por deus ou Momo, ou Baco,
Reina, e decreta nos covis de Caco
Ignorância daqui, dali rapina:

Colhe de alto sistema e lei divina
Imaginário jus, com que encha o saco;
Textos gagueja em vão Doutor macaco
Por ouro, que promete alma sovina:

Círculo umbroso de venais pedantes,
Com torpe astúcia de maligna zorra
Usurpa nome excelso, e graus flamantes:

Ora mijei na súcia, inda que eu morra
Corno, arrocho, bambu nos elefantes,
Cujo vulto é de anões, a tromba é porra!

(9) A respeito da origem deste soneto, contou-se-nos que tendo Bocage
sido iniciado em uma das lojas maçônicas, que naquela época existiam em
Lisboa (de que era Venerável Bento Pereira do Carmo, e Orador José
Joaquim Ferreira de Moura, ambos deputados às Cortes de 1821 e 1823, e
bem conhecidos na história política dos nossos tempos modernos)
freqüentara durante alguns meses aquela associação, assistindo às suas
reuniões, até que desavindo-se um dia com os Irmãos por qualquer motivo
que fosse, em um acesso de cólera rompera extemporaneamente neste
soneto, que rasgou depois de escrito; mas alguém o tinha já copiado,
aliás suceder-lhe-ia o mesmo que a tantas outras produções do autor,
irremediavelmente perdidas. Doutor macaco -- José Joaquim Ferreira de
Moura tinha efetivamente uma fisionomia amacacada, e gaguejava algum
tanto, segundo o testemunho dos seus contemporâneos. [nota da fonte]

XXXII (14) [SONETO ASCOROSO]

Piolhos cria o cabelo mais dourado;
Branca remela o olho mais vistoso;
Pelo nariz do rosto mais formoso
O monco se divisa pendurado:

Pela boca do rosto mais corado
Hálito sai, às vezes bem ascoroso; [pronuncia-se "ascroso"]
A mais nevada mão sempre é forçoso
Que de sua dona o cu tenha tocado:

Ao pé dele a melhor natura mora,
Que deitando no mês podre gordura,
Fétido mijo lança a qualquer hora.

Caga o cu mais alvo merda pura:
Pois se é isto o que tanto se namora,
Em ti, mijo, em ti cago, oh formosura!

(14) [nota de GM] Este soneto, às vezes atribuído ao Abade de Jazente,
é, por sua vez, variante dum outro, de autor anônimo do século XVII:

XXXVI (16) [SONETO DAS GLÓRIAS CARNAIS]

Cante a guerra quem for arrenegado,
Que eu nem palavra gastarei com ela;
Minha Musa será sem par canela
Co'um felpudo coninho abraseado:

Aqui descreverei como arreitado
Num mar de bimbas navegando à vela,
Cheguei, propício o vento, à doce, àquela
Enseada d'amor, rei coroado:

Direi também os beijos sussurrantes,
Os intrincados nós das línguas ternas,
E o aturado fungar de dois amantes:

Estas glórias serão na fama eternas
Às minhas cinzas me farão descantes
Fêmeos vindouros, alargando as pernas.

(16) [nota de GM] Este e os próximos sonetos foram transcritos dum
caderno onde estavam misturados aos de Pedro José Constâncio, poeta que
morreu louco, vítima da vida desregrada e dos males venéreos, cujo
estilo e temática, bem semelhantes aos bocagianos, gerou confusões entre
alguns estudiosos, que não conseguiram distinguir uns dos outros. Por
via das dúvidas, o soneto abaixo é com certeza de autoria do meu

lunático xará:

A vida e a obra de Bocage


Carlos Iannone


A vida de Bocage

Bocage viveu numa época em que os poetas se agrupavam em torno de associações literárias denominadas Arcádias. Entretanto, dono de um temperamento irrequieto, polêmico e insatisfeito, Bocage não conseguiu se submeter às normas dessas instituições, renegando-as. Nascido em Setúbal, a 15 de setembro de 1765, Manuel Maria de Barbosa du Bocage, recebeu desde cedo dos pais o maior carinho e o melhor estímulo à educação. Seu pai, José Luís Soares de Barbosa era advogado e exerceu diversos cargos da magistratura. Sua mãe, d. Mariana Joaquina Lestof du Bocage, filha de um vice-almirante francês a serviço da Armada Portuguesa, emprestou-lhe o sobrenome. O casal teve ainda mais cinco filhos: Gil Francisco, que foi jurisconsulto famoso, Ana das Mercês, Maria Agostinha, Maria Eugênia e Maria Francisca, companheira dedicada do poeta e que lhe assistiu os últimos momentos.

Pouco se sabe acerca dos primeiros anos da vida de Bocage. Antes de completar cinco anos, iniciou-se nas primeiras letras. Aos oito anos já lia e escrevia bem e compunha alguns versos. Aos dez anos, órfão de mãe, foi confiado ao professor espanhol d. João de Medina, que lhe ensinou a língua latina. A facilidade com que Bocage sempre interpretou os autores latinos e as traduções que fez atestam o quanto lhe foram úteis os ensinamentos daquele mestre estrangeiro. Com o pai aprendeu francês. Parece que, muitos anos depois, estudou italiano como autodidata, não chegando, porém, a dominar completamente esse idioma.

A primeira namorada de Bocage foi Gertrudes Homem de Noronha, a Gertrúria das seus versos, filha do governador da Torre de Outão, em Setúbal, cuja casa toda a família do poeta freqüentava.

Em setembro de 1781, Bocage assentou praça como soldado no regimento de Setúbal, onde permaneceu até 1783, ano em que se transferiu para a Armada Real. Fez os estudos na Academia Real da Marinha. Nessa altura, Bocage já freqüentava os bares da boêmia lisboeta, granjeando fama como poeta satírico-erótico e como homem de espírito irrequieto.

Em princípios de 1786 conseguiu a patente de guarda-marinha e, em abril, a bordo do navio “Nossa Senhora da Vida, Santo Antônio e Madalena”, embarcou para a Índia, levando em pensamento sua namorada Gertrudes. Entretanto, a mulher que lhe deu a princípio tanta felicidade foi também a responsável por horas de intensa amargura, casando-se com seu irmão Gil. O navio em que Bocage viajou fez escala no Rio de Janeiro, onde o governador Luís de Vasconcelos recebeu-o da melhor maneira possível, relacionando-o com a melhor sociedade da época.

Em outubro de 1786, desembarcou em Goa, na Índia, lá residindo por um espaço de 28 meses. Tentou continuar seus estudos na Aula Real da Marinha, mas por duas vezes foi abrigado a abandonar o curso.

Com a eclosão da Conspiração dos Pintos, que se propunha a subjugar a guarnição portuguesa de Goa e expulsar os europeus, Bocage participou dos combates. Sufocada a rebelião, o poeta foi promovido a tenente de infantaria para o regimento da Praça de Damão, para onde seguiu em 1789. Parece que Bocage detestou Damão. Alguns dias após sua chegada e apresentação no novo regimento, Bocage, em companhia de um alferes endividado, empreendeu fuga. Desertor, embarcou para Macau, mas uma tempestade colheu seu barco, que foi aportar em Catão. Lá, Bocage passou privações e, graças à interferência de um comerciante, conseguiu junto ao governador os meios para regressar a Portugal, chegando em Lisboa, em agosto de 1790.

A notícia do casamento de Gertrudes com seu irmão desilude-o. Bocage entrega-se, então, a uma vida desregrada e boêmia, “fumando e bebendo, numa excitação doentia, numa embriaguez de espírito”. Ganha, contudo, cada vez mais, popularidade como poeta. Em 1791, publicou o primeiro volume das suas poesias, Rimas. Nesse mesmo ano, foi convidado para fazer parte da Academia das Belas-Artes ou Nova Arcádia, instalada na casa do conde de Pombeiro e presidida pelo poeta Domingos Caldas Barbosa. Conforme prezava a sociedade, cada associado deveria ser conhecido por um pseudônimo de origem, sempre que possível, grega. Bocage escolheu para si o de Elmano Sadino. Entretanto permaneceu pouco tempo entre os companheiros árcades. Travou violenta polêmica em versos satíricos com seus ex-colegas da Arcádia. Acusado de “herético perigoso e dissoluto”, após a publicação da epístola Pavorosa Ilusão da Eternidade, inspirada na sua paixão por Maria Margarida, foi obrigado a refugiar-se. Descoberto, foi preso na Cadeia da Corte, em Limoeiro, em 1797, e daí seguiu para os cárceres da Inquisição, de onde saiu, primeiramente, para o Mosteiro de São Paulo e, depois, para o Recolhimento de Nossa Senhora das Necessidades, um tipo de hospício, em 1798. Recorrendo a amigos e suplicando a muitas autoridades e pessoas de influência, obteve clemência por parte da Inquisição e foi posto em liberdade.

Com o desamparo que, de um momento para outro, se encontraram a irmã Maria Francisca e sua sobrinha, Bocage começou a trabalhar, aceitando a função de tradutor de versos de poemas didáticos, oferecida pelo erudito frei José Mariano Veloso.

O abuso do fumo e da bebida levou Bocage à cama, pela primeira vez. Os cuidados de uma família amiga salvaram-no desta primeira enfermidade. Entretanto, onze anos depois, em 1804, caía Manuel Maria doente para nunca mais sarar. A 21 de dezembro de 1805, após quase um ano de sofrimento, assistido pela irmã Maria Francisca, morreu Bocage. “Ao 3.° andar do Terreiro de André Valente subiu gente de todas as categorias sociais, irmanada no mesmo sentimento de pesar. O povo da capital consternou-se e os amigos mais íntimos fizeram-lhe funeral decente. Foi sepultado no Cemitério da Igreja Paroquial da Nossa Senhora das Mercês, no Bairro Alto, a poucos metros da sua residência”, registra Guerreiro Murta.

A obra de Bocage

Bocage, em vida, publicou os Idílios Marítimos (1791) e os três volumes que compõem as Rimas, respectivamente, em 1791, 1799 e 1804. Mais tarde, após a sua morte, saíram mais três volumes de poemas, intitulados Obras Poéticas (1812-1813) e Verdadeiras Inéditas Obras Poéticas (1814). Coube, entretanto, a Inocêncio Francisco da Silva, em 1853, a melhor edição dos poemas bocageanos, reunindo-os em seis volumes sob o título de Poesias. Recentemente, saiu em pequeno volume as Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas de Bocage.

Conhecedor da língua latina com perfeição, teve a oportunidade de traduzir os Fastos, de Ovídio, as Metamorfoses, do mesmo autor, e as Éclogas, de Virgílio. Foi ainda o tradutor, entre outras, das seguintes obras: Os Jardins, de Delille, Eufêmia, de Arnaud, O Consórcio das Flores, epístola de Lacroix, As Plantas, de Castel, A Agricultura, de Rosset, O Conto de Tripoli, de José Francisco Cardoso, História de Paulo e Virgínia, de Bernardin de Saint-Pierre, o primeiro canto de A Columbíada, da sua tia-avó Mariana du Bocage, e a História de Gil Brás, de Santilhana.

Bocage foi poeta satírico e, inegavelmente, o maior poeta lírico do século 18. Improvisador e dono de um temperamento agressivo, Bocage teve tudo para ser um grande poeta satírico. E, na verdade, foi. Soube cultivar, como ninguém, a sátira, deixando versos famosos, como por exemplo a “Pena de Talião”, crítica contundente à figura do clérigo árcade José Agostinho de Macedo. Às vezes, contudo, a sua sátira é delicada e elegante, como acontece no diálogo entre Coridon e Elmano, construído para atacar os versos do capelão da igreja de Almoster, e nos epigramas contra os médicos.

A poesia lírica - amorosa, bucólica e elegíaca - exprimiu-a Bocage em sonetos, odes, cantatas, epístolas, idílios, elegias etc. Em algumas destas espécies, com o seu gênio criador, conseguiu superar as convenções do Arcadismo (ou Neoclassicismo), como por exemplo em “A Morte de Leandro e Hero”, cantata, “que pela sua ambiência especial e contextura dramática e sombria, preludia os novos tempos que se avizinham” (Feliciano Ramos). Em outras, como nos poemas longos, sentimo-lo excessivamente preso ao convencionalismo da escola dos anos setecentos. Por esse motivo, pode-se falar em um Bocage árcade e em um Bocage pré-romântico.

Na fase arcádica (odes, idílios, cantatas e epigramas) a sua poesia caracteriza-se pelo emprego de alegorias e pela presença da mitologia ao gosto clássico: “Olha o Tejo, a sorrir-se! Olha, não sentes / Os Zéfiros brincar por entre as flores?” O bucolismo convencional faz-se presente, com diálogos entre pastores e através da paisagem campesina. Os amores infelizes são uma constante na sua musa. É, sem dúvida alguma, esta fase inferior a que se segue, deixando bastante a desejar “sob o ponto de vista estético, por inadequação da forma poética ao conteúdo: os moldes arcádicos, e sobretudo a linguagem retórica, latinizante e viciada de expressões feitas, atraiçoam a sua mensagem, tão marcadamente pessoal” (Luft).

A segunda fase, pré-romântica, caracteriza-se fundamentalmente por um “libertarismo emocional”, conseqüência da superação das normas impostas pelo movimento arcádico. A poesia bocageana adquire um tom pessoal que se contrapõe à impessoalidade que caracterizava a fase anterior. O amor, o destino, a fatalidade, a solidão, a morte, são os temas preferidos para os seus sonetos e sobre eles medita Bocage. Conforme assinala Massaud Moisés, na sua A Literatura Portuguesa, “tem-se a poesia da confissão, da carpidação, do arrependimento, resultante da contemplação do ‘eu’ a si próprio, numa dor perene, acima de qualquer contingência externa. Aqui, Bocage atinge acentos típicos da mais elevada poesia, pela purificação da sensibilidade, pela tensão dramática, pela sinceridade autobiográfica do sofrimento moral transposto em arte, pela sondagem interior processada quase sem os entraves da consciência, e, por fim, pelo encontro feliz de soluções expressivas que não ficaram totalmente desconhecidas ao longo do século 19”.

Como sonetista, Bocage tem sido considerado um dos três maiores em língua portuguesa, ao lado de Camões e Antero de Quental.

Constituem-se os sonetos bocageanos em “verdadeiros diários íntimos”, merecendo destaque especial os dois que foram reunidos sob o titulo “Adeus, ó mundo! ó natureza! ó nada!” (“Meu ser evaporei na lida insana” e “Já Bocage não sou!...”), autobiográficos, em que Bocage confessa as dissipações da vida passada e “exprime com comoção o seu arrependimento”.

Bocage lírico


A poesia lírica de Bocage apresenta duas vertentes principais: uma, luminosa, etérea, em que o poeta se entrega inebriado à evocação da beleza das suas amadas (Marilia, Jónia, Armia, Anarda, Anália), expressando lapidarmente a sua vivência amorosa torrencial:

"Eu louco, eu cego, eu mísero, eu perdido
De ti só trago cheia, oh Jónia, a mente;
Do mais e de mim ando esquecido."


outra, nocturna, pessimista, depressiva em que manifesta a incomensurável dor que o tolhe, devido à indiferença, à traição, à ingratidão ou à " tirania" de Nise, Armia, Flérida ou Alcina.

Estas assimetrias são um lugar-comum na obra de Bocage, plena de contrários. São ainda o corolário do seu temperamento arrebatado e emotivo. A dialéctica está bem patente nos seus versos:

"Travam-se gosto e dor; sossego e lida...
É lei da Natureza, é lei da Sorte
Que seja o mal e o bem matiz da vida!"


Na sua poética prevalece a segunda vertente mencionada, o sofrimento, o "horror", as "trevas", facto que o faz, com frequência, ansiar pela sepultura, "refúgio me promete a amiga Morte", como afirma nomeadamente.

A relação que tem com as mulheres é também melindrosa, precária. O ciúme "infernal" rouba-lhe o sono, acentua-lhe a depressão.

Bocage considera que a desventura que o oprime é fruto de um destino inexorável, irreversível, contra o qual nada pode fazer. A "Fortuna", a "Sorte", o "Fado", no seu entender, marcaram-no indelevelmente para o sofrimento atroz, como se depreende dos seguintes versos:

"Chorei debalde minha negra sina",
"em sanguíneo carácter foi marcado
pelos Destinos meu primeiro instante".



Outro aspecto relevante a ponderar na avaliação da poesia de Bocage é a dialéctica razão/sentimento. Com efeito, existe um conflito aberto entre a exuberância do amor, também físico, a sua entrega total, e a contenção e a frieza do racional:

"Razão, de que me serve o teu socorro?
Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo;
Dizes-me que sossegue, eu peno, eu morro",



ou ainda quando escreve:

"contra os sentidos a razão murmura".



Bocage viveu num período de transição, conturbado, em convulsão. A sua obra espelha essa instabilidade. Por um lado, reflecte as influências da cultura clássica, cultivando os seus géneros, fazendo apelo à mitologia, utilizando vocabulário genuíno; por outro lado, é um pré-romântico pois liberta-se das teias da razão, extravasa com intensidade tudo o que lhe vai na alma, torrencialmente expressa os seus sentimentos, faz a apologia da solidão.

Marília, nos teus olhos buliçosos


Bocage poeta da Liberdade

Quando Bocage regressou do Oriente, a Revolução Francesa estava no seu auge e constituía um paradigma para muitos intelectuais europeus, que se reviam na trilogia igualdade, fraternidade e liberdade. Estes conceitos libertadores foram universalmente disseminados, tendo desempenhado um papel fundamental na independência dos Estados-Unidos e na eclosão do liberalismo.

Os princípios da Revolução Francesa foram amplamente divulgados através de livros e de folhetos que entravam em Portugal por via marítima, nomeadamente pelos portos de Lisboa e de Setúbal. Mais tarde, eram discutidos pelos cafés de Lisboa, que constituíam locais privilegiados de subversão relativamente ao poder instituído. Este, por sua vez, sob a mão férrea de Pina Manique, teceu uma extensa rede de agentes repressivos que vigiava zelosamente aqueles locais frequentados por apologistas das ideias francesas.

Bocage vivenciou a boémia lisboeta e foi, certamente, um dos dinamizadores de intermináveis discussões políticas e de críticas aceradas ao regime. Tal prática quotidiana esteve na origem do seu encarceramento em 1797, acusado de crime de lesa-majestade. Com efeito, alguns dos seus poemas revelaram-se particularmente críticos para com a sociedade vigente, que se caracterizava pela intolerância e pela recusa dos ideais democráticos. Eis um soneto elucidativo:

"Sanhudo, inexorável Despotismo
Monstro que em pranto, em sangue a fúria cevas,
Que em mil quadros horríficos te enlevas,
Obra da Iniquidade e do Ateísmo:

Assanhas o danado Fanatismo,
Porque te escore o trono onde te enlevas;
Por que o sol da Verdade envolva em trevas
E sepulte a Razão num denso abismo.

Da sagrada Virtude o colo pisas,
E aos satélites vis da prepotência
De crimes infernais o plano gizas,

Mas, apesar da bárbara insolência,
Reinas só no ext'rior, não tiranizas
Do livre coração a independência."



Além das odes à liberdade, Bocage compôs outros poemas que se radicaram no ideário político. Com efeito, fez a apologia de Napoleão, que consolidou a Revolução Francesa, a quem apelidou de "novo redentor da Natureza", criticou a nobreza, manifestou a sua ironia relativamente a um clero que se pautava pela incoerência entre o que apregoava e o que fazia, tendo ainda retratado causticamente classes sociais privilegiadas.


Arguto observador da sociedade, Bocage foi a consciência crítica de uma ordem social que se encontrava em profunda mutação. Neste contexto, não surpreende que tenha cultivado a sátira, género que estava em sintonia com a sua personalidade e que servia integralmente os seus desígnios de carácter reformador.

As sátiras de Bocage tiveram como alvo, entre outros, a "Nova Arcádia", associação de escritores incentivada por Pina Manique. Nela se praticava o elogio mútuo, sendo a produção poética de pouca qualidade e estritamente de acordo com os cânones clássicos.

A rivalidade entre Bocage e alguns dos poetas que constituíam aquela academia, rapidamente se tornou um lugar comum das sessões dirigidas por Domingos Caldas Barbosa, escritor e músico oriundo do Brasil, que foi particularmente visado na sátira bocageana. Sucederam-se, então, os ataques pessoais em quadra ou em soneto, alguns dos quais se caracterizaram por uma extrema violência. José Agostinho de Macedo, o temido "Padre Lagosta", Belchior Curvo Semedo, Luís França Amaral, entre outros, foram severamente retratados por Bocage, que por sua vez sofreu impiedosos ataques daqueles árcades. Eis um soneto cáustico de Bocage, evocativo de uma sessão da "Nova Arcádia":

"Preside o neto da rainha Ginga
À corja vil, aduladora, insana.
Traz sujo moço amostras de chanfana,
Em copos desiguais se esgota a pinga.

Vem pão, manteiga e chá, tudo à catinga;
Masca farinha a turba americana;
E o oragotango a corda à banza abana,
Com gesto e visagens de mandinga.

Um bando de comparsas logo acode
Do fofo Conde ao novo Talaveiras;
Improvisa berrando o rouco bode.

Aplaudem de contínuo as frioleiras
Belmiro em ditirambo, o ex-frade em ode.
Eis aqui de Lereno as quartas-feiras."



A crítica acutilante de Bocage estendeu-se também ao clero. Em causa estava a incoerência daquela classe social, que apregoava do púlpito a virtude e tinha uma prática quotiana que se encontrava exactamente nos antípodas. Por outro lado, o poeta manifestou-se sempre contra uma concepção fundamentalista da religião, que tinha como pedra de toque o medo e o castigo eterno. Eis uma quadra satírica atribuída a Bocage, que visa o clero:

"Casou-se um bonzo da China
Com uma mulher feiticeira
Nasceram três filhos gémeos
Um burro, um frade e uma freira."



Outros sectores da sociedade foram também fustigados pela pena de Bocage. Com efeito, a nobreza, os médicos, os tabeliães, bem como alguns tipos sociais encontram-se retratados na sua obra.

A poesia erótica de Bocage

"Mais doce é ver-te de meus ais vencida
Dar-me em teus brandos olhos desmaiados
Morte, morte de amor, melhor que a vida"




O erotismo tem sido cultivado com alguma frequência na literatura portuguesa. Encontramo-lo, por exemplo, nas "Cantigas de Escárnio e Mal-dizer", no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, em Gil Vicente, em Camões cujo canto IX dos Lusíadas nos dá um fresco dos prazeres dos nautas portugueses inebriados por mil sereias.

No presente século, Fernando Pessoa, curiosamente nos seus English Poems, Mário de Sá-Carneiro, Guerra Junqueiro, António Botto, Melo e Castro, Jorge de Sena, entre muitos outros, celebraram nos seus escritos os rituais de Eros.

No século XVIII prevalecia um puritanismo limitador. Com efeito, era difícil uma pessoa assumir-se integralmente, de corpo e alma. Tabus sociais, regras estritas, uma educação preconceituosa, a moral católica tornavam a sexualidade uma vertente menos nobre do ser humano. Por outro lado, uma censura férrea mutilava indelevelmente os textos mais ousados e a omnipresente Inquisição demovia os recalcitrantes. Em presença desta conjuntura, ousar trilhar a senda do proibido, transgredir era, obviamente, um apelo inexorável para os escritores, uma maneira salutar de se afirmarem na sua plenitude, um imperativo categórico.

Em Bocage, a transgressão foi pedra de toque, o conflito generalizado. As suas críticas aceradas aos poderosos, a determinados tipos sociais, ao novo-riquismo, à mediocridade, à hipocrisia, aos literatos, o seu anti-clericalismo convicto, a apologia dos ideais republicanos que sopravam energicamente de França, a agitação que disseminava pelos botequins e cafés de Lisboa, o tipo de vida , "pouco exemplar" para os vindouros e para os respeitáveis chefes de família e a sua extrema irreverência tiveram como corolário ser considerado subversivo e perigoso para a sociedade.

Poder-se-á afirmar que a poesia erótica de Bocage adquiriu uma dimensão mais profunda do que a que foi composta anteriormente. Pela primeira vez, é feito um apelo claro e inequívoco ao amor livre. A "Pavorosa Ilusão da Eternidade - Epístola a Marília", constitui uma crítica contundente ao conceito de um Deus castigador, punitivo e pouco sensível ao sofrimento da humanidade - à revelia dos ideais cristãos - que grande parte do clero perfilhava; mas também consubstancia um acto de subversão na medida em que convida Marília "à mais velha cerimónia do mundo", independentemente da moral vigente e dos valores cristalizados. Estava, à luz dos conceitos da época, de certa maneira, a minar as bases da sociedade, pondo em causa a própria família.

O referido poema, bem como o seu estilo de vida, estiveram na origem do seu encarceramento, por ordem irreversível de Pina Manique, irrepreensível guardião da moral e dos costumes da sociedade. A prisão do Limoeiro, os cárceres da Inquisição, o Mosteiro de S. Bento e o Hospício das Necessidades, por onde sucessivamente passou para ser "reeducado", não o demoveram da sua filosofia de vida, estuante de liberdade, interveniente, pugnando pela justiça, assumindo-se integralmente, ferindo os sons da lira em demanda do apuro formal que melhor veiculasse as suas legítimas preocupações.

Só cerca de cinquenta anos após o falecimento de Bocage, foram publicados pela primeira vez as suas poesias eróticas. Corria o ano de 1854 e apareceram na sequência da publicação criteriosa das obras completas, em 6 volumes, pelo emérito bibliógrafo Inocêncio da Silva. Para evitar a sua apreensão e os tribunais, a obra saiu clandestinamente, sem editor explícito e com um local de edição fictício na capa: Bruxellas. Este facto de se não referir o editor foi prática comum até à implantação da República. Embora feitas em Portugal, anonimamente, as Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas apresentaram como local de edição sucessivamente Bruxellas (1860, 1870, 1879, 1884, 1899, 1900), Bahia (1860, 1861), Rio de Janeiro (1861), Cochinchina (1 885), Londres (1900), Paris (1901, 1902, 1908, 1908), Amsterdam (1907) e Leipzig (1 907). Malhas que a implacável censura tecia...

As Cartas de Olinda a Alzira - que constituem um caso inédito na literatura portuguesa, pois são um relato das primícias sexuais de uma jovem, na primeira pessoa, como assinala Alfredo Margarido - por sua vez, são dadas à estampa nos finais do século passado com as precauções proverbiais: sem a menção da data, editor, local ou organizador.

Com o advento da República, a liberdade de expressão, grosso modo, foi uma realidade. Estavam reunidas as condições objectivas e subjectivas para a Guimarães Editores assumir a publicação de Olinda e Alzira, em 1915.

Nos anos que se seguiram ao 28 de Maio de 1926, mais concretamente durante o consulado de Salazar, a censura foi reinstalada e a poesia erótica de Bocage voltou à clandestinidade, fazendo parte do índex de livros proibidos. Circulava sub-repticiamente, em edições anónimas, teoricamente feitas em "London", apresentando as datas de 1926 ou 1964.

Coincidiu com a primavera marcelista, nos finais da década de 60, a publicação das obras completas de Bocage, superiormente dirigida por Hernâni Cidade. Em edição de luxo, a editorial Artis, fascículo a fascículo, foi estampando toda a obra poética. O último volume contemplava as poesias eróticas. Num prefácio bem tecido, aquele biógrafo justificava a sua inclusão, fazendo notar a tradição do erotismo na poesia portuguesa, mencionando inclusivamente mulheres que, sem falsos pudores, analisaram esta problemática, caso concreto de Carolina Michaêlis, "que às riquezas do espírito altíssimo juntava os tesouros do coração modelar de esposa e mãe." O facto desta obra ser vendida por fascículos e consequentemente não estar acessível ao grande público nas livrarias, bem como as razões aduzidas por Hernâni Cidade, terão convencido os ciosos censores.

Com o 25 de Abril, têm-se sucedido as edições, sem a preocupação de um estudo introdutório que perspectiva o erotismo na obra de Bocage. O lucro fácil prevaleceu em detrimento da verdade literária. Tendo em consideração que Bocage deixou muito poucos autógrafos manuscritos dada a sua proverbial dispersão, não se pode ter a certeza relativamente à autoria de algumas poesias eróticas que circulam como se do poeta fossem. Com efeito, a primeira edição da sua poesia erótica, dada à luz em 1854, terá sido publicado a partir de um caderno manuscrito que incluía cópias de composições de vários autores anónimos. Umas serão certamente do seu estro poético, outras, está provado hoje em dia, foram compostas por Pedro José Constâncio, Sebastião Xavier Botelho, Abade de Jazente e João Vicente Pimentel Maldonado. Porém, de imediato, foram identificados como se da pena de Bocage tivessem saído, pois a sua fama de libertino era marcante na época.

Curioso é ainda o facto de essas composições continuarem a fazer parte do corpo das edições das Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas que se publicam nos tempos que correm. É urgente fazer-se uma análise estilística - tarefa de extrema dificuldade - e identificar-se, na medida do possível, os poemas que são da autoria de Bocage, os que poderão eventualmente sê-lo e retirar ou colocar em apêndice os que manifestamente não lhe pertencem.

Uma vertente menos conhecida da obra de Bocage é, indesmentivelmente, a tradução. Com efeito, os seus biógrafos só muito levemente focaram esta sua intensa actividade. Bocage possuía uma sólida formação clássica. Na adolescência aprendeu latim com um padre espanhol, Don Juan Medina. Mais tarde, na sequência da morte da mãe, teve como mestre alguém pouco sensível aos atributos da persuasão, como o próprio Bocage evocava:

"Se continuo mais tempo, aleija-me."



O escritor beneficiava ainda do facto de ser de origem francesa, língua que, consequentemente, dominava com maestria.

A primeira tradução de que há notícia remonta ao ano de 1793. Porém, só a partir de 1800 enveredou por uma actividade sistemática como tradutor. Coincide esta opção com um período de sedentarização de Bocage, cuja saúde se encontrava prematura e seriamente minada, e com um convite de José Mariano Velloso, director da famosa, pelas suas exemplares estampas, Tipografia Calcográfica do Arco do Cego.

Em 1800, foi dado à luz o livro de Delille Os Jardins ou a Arte de Afformosear as Paisagens, vertido para a língua portuguesa por Bocage. Esta publicação foi pretexto para os seus múltiplos adversários fazerem violentos reparos à sua tradução.

O poeta respondeu-lhes contundentemente, um ano depois, no prólogo do livro de Ricardo Castel As Plantas. Apelida-os de "aves sinistras", "corvos de inveja", "malignos", "maldito, grasnador, nocturno enxame que voar não podendo, odeia os voos", "zoilos", entre outros epítetos pouco lisonjeiros.

Nos ataques viscerais que Bocage sofreu, distinguiu-se José Agostinho de Macedo, arqui-inimigo desde a "Arcádia Lusitana", que subscreveu a composição "Sempre, oh Bocage, as sátiras serviram..." Pulverizando a argumentação do seu opositor, Elmano compôs a célebre sátira Pena de Talião, segundo reza a tradição, de um só fôlego, sob extrema emotividade. A polémica entre ambos foi alimentada por diversas vezes, até 1805, data do falecimento de Bocage, havendo, porém, a registar a reconciliação entre ambos, pouco antes do infausto desenlace. Reacendeu-se, porém, mais tarde quando os seus discípulos se envolveram com José Agostinho de Macedo, fazendo-lhe acusações gravosas, ao que parece fundamentadas.

Da autoria de Bocage é a tradução dos seguintes livros: "Eufemia ou o Triunfo da Religião de Arnaud (1793), As Chinelas de Abu-Casem: Conto Arabico (1797), Historia de Gil Braz de Santilhana de Le Sage (1798), Os Jardins ou Arte de Afformosear as Paisagens de Delille (1800), Canto Heroico sobre as Façanhas dos Portugueses na Expedição de Tripoli (1800) e Elegia ao lllustrissimo (...) D. Rodrigo de Sousa Coutinho (1800) ambos da autoria do poeta brasileiro José Francisco Cardoso, As Plantas de Ricardo Castel (1801), O Consórcio das Flores: Epistola de La Croix (1801), Galathéa (1802) de Florian, Rogerio e Victor de Sabran ou o Tragico Effeito do Ciume (1802) e Ericia ou a Vestal (1805) de Arnaud.

Postumamente foi publicada a tradução de Paulo e Virginia de Bernardin de Saint-Pierre. Corria o ano de 1905 e foi lançada no âmbito da comemoração do primeiro centenário do falecimento de Bocage. O autógrafo manuscrito pertencera a Camilo Castelo Branco que o ofereceu ao editor Lello; este, por sua vez, doou-o à Biblioteca Municipal do Porto, onde se encontra, neste momento, depositado.

Nas suas traduções, Bocage contemplou os clássicos - Ovídio, Horácio, Virgílio, Alceu, Tasso - bem como autores modernos, Voltaire, La Fontaine, entre outros.

A maneira cuidada como o poeta empreendeu as suas traduções é-nos descrita por ele próprio no prólogo a Os Jardins ou Arte de Afformosear as Paizagens: " ... lhe apresento esta versão, a mais concisa, a mais fiel, que pude ordená-la, e em que só usei o circunlóquio dos lugares, cuja tradução literal se não compadecia, a meu ver, com a elegância, que deve reinar em todas as composições poéticas.

Registe-se ainda o facto de Bocage se manifestar ostensivamente contra o uso de galicismos que enxameavam a nossa língua.