São Paulo, janeiro de 2002
GLAUCO MATTOSO
III [SONETO DO MEMBRO MONSTRUOSO]
Esse disforme, e rígido porraz
Do semblante me faz perder a cor:
E assombrado d'espanto, e de terror
Dar mais de cinco passos para trás:
A espada do membrudo Ferrabrás
De certo não metia mais horror:
Esse membro é capaz até de pôr
A amotinada Europa toda em paz.
Creio que nas fodais recreações
Não te hão de a rija máquina sofrer
Os mais corridos, sórdidos cações:
De Vênus não desfrutas o prazer:
Que esse monstro, que alojas nos calções,
É porra de mostrar, não de foder.
V [SONETO AO ÁRCADE FRANÇA]
No canto de um venal salão de dança,
Ao som de uma rebeca desgrudada,
Olhos em alvo, a porra arrebitada,
Bocage, o folgazão, rostia o França. (2)
Este, com mogigangas de criança,
Com a mão pelos ovos encrespada,
Brandia sobre a roxa fronte alçada
Do assanhado porraz, que quer lambança.
Veterana se faz a mão bisonha;
Tanto a tempo meneia, e sua o bicho,
Que em Bocage o tesão vence a vergonha:
Quis vir-me por luxúria, ou por capricho;
Mas em vez de acudir-lhe alva langonha
Rebenta-lhe do cu merdoso esguicho.
(2) "Bocage, o folgazão, rostia o França." Se o soneto foi escrito, como
parece, pouco antes das contendas com os Árcades, isto é, entre os anos
de 1791 e 1793, o França, nascido em 1725, devia então contar os seus 67
de idade! -- "Rostir" é verbo neutro, que em sentido figurado significa
"mastigar". Fazemos aqui esta observação, porque já notamos que alguém
entrou em dúvida acerca da verdadeira inteligência do vocábulo. [nota da
fonte]
[nota de GM] Reparo como os críticos ficam cheios de dedos, relutantes
em admitir qualquer conotação homossexual na poesia de Bocage, ainda que
o poeta, em sonetos como o XV e o xx, não escondesse que um cu masculino
lhe era apetecível. Neste caso, o sentido de "rostir", além de surrar,
esbofetear, roçar, esfregar-se em, bolinar ou mesmo desonrar moralmente,
pode muito bem aludir ao sexo oral ou anal, pouco importando se o tal
França fosse o árcade ou outro mais jovem, já que o objetivo é expor o
satirizado ao ridículo.
VI (3) [SONETO DE TODAS AS PUTAS]
Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:
Dido foi puta, e puta d'um soldado;
Cleópatra por puta alcança a c'roa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado:
Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:
Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques pois, oh Nise, duvidosa
Que isso de virgo e honra é tudo peta.
(3) Variante sugerida pelo próprio Bocage para o verso oitavo:
"Não passa o cono teu por cono honrado".
[nota de GM] Este soneto suscitou dúvidas sobre a autoria (que alguns
atribuem a João Vicente Pimentel Maldonado) e inspirou várias paródias,
entre as quais esta:
XIX (9) [SONETO MAÇÔNICO]
Turba esfaimada, multidão canina,
Corja, que tem por deus ou Momo, ou Baco,
Reina, e decreta nos covis de Caco
Ignorância daqui, dali rapina:
Colhe de alto sistema e lei divina
Imaginário jus, com que encha o saco;
Textos gagueja em vão Doutor macaco
Por ouro, que promete alma sovina:
Círculo umbroso de venais pedantes,
Com torpe astúcia de maligna zorra
Usurpa nome excelso, e graus flamantes:
Ora mijei na súcia, inda que eu morra
Corno, arrocho, bambu nos elefantes,
Cujo vulto é de anões, a tromba é porra!
(9) A respeito da origem deste soneto, contou-se-nos que tendo Bocage
sido iniciado em uma das lojas maçônicas, que naquela época existiam em
Lisboa (de que era Venerável Bento Pereira do Carmo, e Orador José
Joaquim Ferreira de Moura, ambos deputados às Cortes de 1821 e 1823, e
bem conhecidos na história política dos nossos tempos modernos)
freqüentara durante alguns meses aquela associação, assistindo às suas
reuniões, até que desavindo-se um dia com os Irmãos por qualquer motivo
que fosse, em um acesso de cólera rompera extemporaneamente neste
soneto, que rasgou depois de escrito; mas alguém o tinha já copiado,
aliás suceder-lhe-ia o mesmo que a tantas outras produções do autor,
irremediavelmente perdidas. Doutor macaco -- José Joaquim Ferreira de
Moura tinha efetivamente uma fisionomia amacacada, e gaguejava algum
tanto, segundo o testemunho dos seus contemporâneos. [nota da fonte]
XXXII (14) [SONETO ASCOROSO]
Piolhos cria o cabelo mais dourado;
Branca remela o olho mais vistoso;
Pelo nariz do rosto mais formoso
O monco se divisa pendurado:
Pela boca do rosto mais corado
Hálito sai, às vezes bem ascoroso; [pronuncia-se "ascroso"]
A mais nevada mão sempre é forçoso
Que de sua dona o cu tenha tocado:
Ao pé dele a melhor natura mora,
Que deitando no mês podre gordura,
Fétido mijo lança a qualquer hora.
Caga o cu mais alvo merda pura:
Pois se é isto o que tanto se namora,
Em ti, mijo, em ti cago, oh formosura!
(14) [nota de GM] Este soneto, às vezes atribuído ao Abade de Jazente,
é, por sua vez, variante dum outro, de autor anônimo do século XVII:
XXXVI (16) [SONETO DAS GLÓRIAS CARNAIS]
Cante a guerra quem for arrenegado,
Que eu nem palavra gastarei com ela;
Minha Musa será sem par canela
Co'um felpudo coninho abraseado:
Aqui descreverei como arreitado
Num mar de bimbas navegando à vela,
Cheguei, propício o vento, à doce, àquela
Enseada d'amor, rei coroado:
Direi também os beijos sussurrantes,
Os intrincados nós das línguas ternas,
E o aturado fungar de dois amantes:
Estas glórias serão na fama eternas
Às minhas cinzas me farão descantes
Fêmeos vindouros, alargando as pernas.
(16) [nota de GM] Este e os próximos sonetos foram transcritos dum
caderno onde estavam misturados aos de Pedro José Constâncio, poeta que
morreu louco, vítima da vida desregrada e dos males venéreos, cujo
estilo e temática, bem semelhantes aos bocagianos, gerou confusões entre
alguns estudiosos, que não conseguiram distinguir uns dos outros. Por
via das dúvidas, o soneto abaixo é com certeza de autoria do meu
lunático xará:
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