31 de ago. de 2008

Poemas de Bocage

Já sobre o coche de ébano estrelado,
Deu meio giro a Noite escura e feia,
Que profundo silêncio me rodeia
Neste deserto bosque, à luz vedado!

Jaz entre as folhas Zéfiro abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, às trevas acostumado.

Só eu velo, só eu, pedindo à Sorte
Que o fio com que está mih'alma presa
À vil matéria lânguida, me corte.

Consola-me este horror, esta tristeza,
Porque a meus olhos se afigura a Morte
No silêncio total da Natureza.
______


Das terras a pior tu és, ó Goa,
Tu pareces mais ermo que cidade,
Mas alojas em ti maior vaidade
Que Londres, que Paris ou que Lisboa.

A chusma de teus íncolas pregoa
Que excede o Grão Senhor na qualidade;
Tudo quer senhoria; o próprio frade
Alega, para tê-la, o jus da c'roa!

De timbres prenhe estás; mas oiro e prata
Em cruzes, com que dantes te benzias,
Foge a teus infanções de bolsa chata.

Oh que feliz e esplêndida serias,
Se algum fusco Merlim, que faz bagata,
Te alborcasse a pardaus as senhorias!

_____


Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co'o sacrílego gigante.

Como tu, junto ao Ganges sussurante,
Da penúria cruel no horror me vejo.
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.

Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.

Modelo meu tu és, mas . . . oh, tristeza! . . .
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.

_____


Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;


Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;


Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;


Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.


Bocage e seus poemas eróticos



A fama do português Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) não se divide apenas em "boa" e "má", isto é, entre a modelar poesia arcádica ou romântica e a malexemplar poesia fescenina: esta mesma é motivo de controvérsia, a partir do ponto em que foi renegada pelo próprio autor. Não vou aqui esmiuçar fatos e versões de fontes e perversões. Limito-me a resgatar, para o sítio poético da POP BOX, a parcela expurgada da produção bocagiana, tal como fiz com as "obras livres" de Laurindo Rabelo, sucessor de Bocage no Brasil. Ao selecionar e anotar os sonetos eróticos do lusitano, não pude, sem embargo, manter-me indiferente a uma hipótese apócrifa que vem incomodando alguns biógrafos e historiadores. Que Bocage era genial não cabe dúvida, como não se desmente a vida devassa que dá respaldo a seus versos. O que intriga o pesquisador é a tendência a atribuir ao maldito obras que ele mesmo admitia serem de outrem, mas que editores e leitores "preferiam" que fossem dele, seja por admiração ou difamação. Hoje não dá para propor revisionismos no que já se tornou lendário. Resta simplesmente registrar algumas autorias, que, se fossem cabalmente restabelecidas, dariam a entender que pelo menos o sonetário pornográfico pertenceria a nomes menos conhecidos, senão obscuros.

Citam-se entre os indícios o fato de que o soneto VI teria sido repudiado por Bocage, sob alegação do tipo "se fosse meu, o verso 8 ficaria assim ou assado" (nota 3); ou o fato de que o soneto XXXII, que já parece requentado em comparação com um anônimo do século anterior (nota 14), figura em certas antologias como assinado pelo Abade de Jazente (vulgo de Paulino António Cabral de Vasconcellos). Mas a mim parece mais interessante verificar que grande parte dos sonetos mais sexualmente descritivos e desreprimidos foi achada num caderno onde, segundo algumas fontes, constava o nome de Pedro José Constâncio, cuja biografia ainda não figura nas enciclopédias e compêndios literários. Além do que vai referido na nota 16, vale acrescentar alguma parca informação sobre esse meu xará de cuja obra Bocage teria se "apropriado".

Irmão dum prestigiado escritor (Francisco Solano Constâncio, autor, entre diversos tratados, duma HISTÓRIA DO BRASIL), o Pedro que também foi Podre morreu, sem completar seus quarenta, antes de 1820 e viveu marginalmente, entre a putaria e a loucura. Ou, como se cita, "Enfermidades geradas pelos excessos venéreos a que se dava, sem escolha nem reserva, o levaram a um estado valetudinário, atrofiando-lhe as faculdades, e tornando-o incapaz de toda a aplicação." Filho dum cirurgião da corte de D. Maria I, chegou a bacharelar-se em cânones pela Universidade de Coimbra, mas só se tem notícia de seu convívio com os poetas contemporâneos (entre os quais Bocage e José Agostinho) justamente porque estes costumavam interceder em seu favor quando era perseguido e punido pelo comportamento anti-social, ou seja, quando era preso por se exibir pelado em público ou por escrever poemas como o soneto XLVIII, que, segundo denúncia ao intendente da polícia, era "licencioso" e alusivo à "fornicação dos cães dentro das igrejas". Entre os poucos poemas de Constâncio que apareceram impressos está o soneto que reproduzo na nota 16, o qual foi (1812) incluído "por engano" pelo editor das obras de Bocage e excluído (1820) na reedição.

Fundamentada ou não, a polêmica sobre os sonetos bocagianos ou constancianos permanece secundária diante do propósito desta seleta, que é introduzir na rede virtual outra pequena parcela do inesgotável "veio subterrâneo" (como dizia José Paulo Paes) da poesia vernácula: a fescenina. Assim pago meu tributo àqueles que me foram antecessores no gênero que escolhi e que levo avante no livro O GLOSADOR MOTEJOSO, no qual pinço alguns dos versos abaixo como motes para as glosas que compus no "martelo agalopado", ou seja, o decassílabo heróico iniciado por pé anapéstico ao invés de jâmbico.

Quase todos os sonetos infra transcritos foram tirados duma edição paulistana (1969), dentre as inúmeras cópias que circulam, mais ou menos clandestinamente, do livro POESIAS ERÓTICAS, BURLESCAS E SATÍRICAS, ao qual me reporto nos pontos assinalados pela expressão "nota da fonte".

São Paulo, janeiro de 2002

GLAUCO MATTOSO

III [SONETO DO MEMBRO MONSTRUOSO]

Esse disforme, e rígido porraz
Do semblante me faz perder a cor:
E assombrado d'espanto, e de terror
Dar mais de cinco passos para trás:

A espada do membrudo Ferrabrás
De certo não metia mais horror:
Esse membro é capaz até de pôr
A amotinada Europa toda em paz.

Creio que nas fodais recreações
Não te hão de a rija máquina sofrer
Os mais corridos, sórdidos cações:

De Vênus não desfrutas o prazer:
Que esse monstro, que alojas nos calções,
É porra de mostrar, não de foder.

V [SONETO AO ÁRCADE FRANÇA]

No canto de um venal salão de dança,
Ao som de uma rebeca desgrudada,
Olhos em alvo, a porra arrebitada,
Bocage, o folgazão, rostia o França. (2)

Este, com mogigangas de criança,
Com a mão pelos ovos encrespada,
Brandia sobre a roxa fronte alçada
Do assanhado porraz, que quer lambança.

Veterana se faz a mão bisonha;
Tanto a tempo meneia, e sua o bicho,
Que em Bocage o tesão vence a vergonha:

Quis vir-me por luxúria, ou por capricho;
Mas em vez de acudir-lhe alva langonha
Rebenta-lhe do cu merdoso esguicho.


(2) "Bocage, o folgazão, rostia o França." Se o soneto foi escrito, como
parece, pouco antes das contendas com os Árcades, isto é, entre os anos
de 1791 e 1793, o França, nascido em 1725, devia então contar os seus 67
de idade! -- "Rostir" é verbo neutro, que em sentido figurado significa
"mastigar". Fazemos aqui esta observação, porque já notamos que alguém
entrou em dúvida acerca da verdadeira inteligência do vocábulo. [nota da
fonte]

[nota de GM] Reparo como os críticos ficam cheios de dedos, relutantes
em admitir qualquer conotação homossexual na poesia de Bocage, ainda que
o poeta, em sonetos como o XV e o xx, não escondesse que um cu masculino
lhe era apetecível. Neste caso, o sentido de "rostir", além de surrar,
esbofetear, roçar, esfregar-se em, bolinar ou mesmo desonrar moralmente,
pode muito bem aludir ao sexo oral ou anal, pouco importando se o tal
França fosse o árcade ou outro mais jovem, já que o objetivo é expor o
satirizado ao ridículo.


VI (3) [SONETO DE TODAS AS PUTAS]

Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:

Dido foi puta, e puta d'um soldado;
Cleópatra por puta alcança a c'roa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado:

Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:

Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques pois, oh Nise, duvidosa
Que isso de virgo e honra é tudo peta.

(3) Variante sugerida pelo próprio Bocage para o verso oitavo:
"Não passa o cono teu por cono honrado".

[nota de GM] Este soneto suscitou dúvidas sobre a autoria (que alguns
atribuem a João Vicente Pimentel Maldonado) e inspirou várias paródias,
entre as quais esta:


XIX (9) [SONETO MAÇÔNICO]

Turba esfaimada, multidão canina,
Corja, que tem por deus ou Momo, ou Baco,
Reina, e decreta nos covis de Caco
Ignorância daqui, dali rapina:

Colhe de alto sistema e lei divina
Imaginário jus, com que encha o saco;
Textos gagueja em vão Doutor macaco
Por ouro, que promete alma sovina:

Círculo umbroso de venais pedantes,
Com torpe astúcia de maligna zorra
Usurpa nome excelso, e graus flamantes:

Ora mijei na súcia, inda que eu morra
Corno, arrocho, bambu nos elefantes,
Cujo vulto é de anões, a tromba é porra!

(9) A respeito da origem deste soneto, contou-se-nos que tendo Bocage
sido iniciado em uma das lojas maçônicas, que naquela época existiam em
Lisboa (de que era Venerável Bento Pereira do Carmo, e Orador José
Joaquim Ferreira de Moura, ambos deputados às Cortes de 1821 e 1823, e
bem conhecidos na história política dos nossos tempos modernos)
freqüentara durante alguns meses aquela associação, assistindo às suas
reuniões, até que desavindo-se um dia com os Irmãos por qualquer motivo
que fosse, em um acesso de cólera rompera extemporaneamente neste
soneto, que rasgou depois de escrito; mas alguém o tinha já copiado,
aliás suceder-lhe-ia o mesmo que a tantas outras produções do autor,
irremediavelmente perdidas. Doutor macaco -- José Joaquim Ferreira de
Moura tinha efetivamente uma fisionomia amacacada, e gaguejava algum
tanto, segundo o testemunho dos seus contemporâneos. [nota da fonte]

XXXII (14) [SONETO ASCOROSO]

Piolhos cria o cabelo mais dourado;
Branca remela o olho mais vistoso;
Pelo nariz do rosto mais formoso
O monco se divisa pendurado:

Pela boca do rosto mais corado
Hálito sai, às vezes bem ascoroso; [pronuncia-se "ascroso"]
A mais nevada mão sempre é forçoso
Que de sua dona o cu tenha tocado:

Ao pé dele a melhor natura mora,
Que deitando no mês podre gordura,
Fétido mijo lança a qualquer hora.

Caga o cu mais alvo merda pura:
Pois se é isto o que tanto se namora,
Em ti, mijo, em ti cago, oh formosura!

(14) [nota de GM] Este soneto, às vezes atribuído ao Abade de Jazente,
é, por sua vez, variante dum outro, de autor anônimo do século XVII:

XXXVI (16) [SONETO DAS GLÓRIAS CARNAIS]

Cante a guerra quem for arrenegado,
Que eu nem palavra gastarei com ela;
Minha Musa será sem par canela
Co'um felpudo coninho abraseado:

Aqui descreverei como arreitado
Num mar de bimbas navegando à vela,
Cheguei, propício o vento, à doce, àquela
Enseada d'amor, rei coroado:

Direi também os beijos sussurrantes,
Os intrincados nós das línguas ternas,
E o aturado fungar de dois amantes:

Estas glórias serão na fama eternas
Às minhas cinzas me farão descantes
Fêmeos vindouros, alargando as pernas.

(16) [nota de GM] Este e os próximos sonetos foram transcritos dum
caderno onde estavam misturados aos de Pedro José Constâncio, poeta que
morreu louco, vítima da vida desregrada e dos males venéreos, cujo
estilo e temática, bem semelhantes aos bocagianos, gerou confusões entre
alguns estudiosos, que não conseguiram distinguir uns dos outros. Por
via das dúvidas, o soneto abaixo é com certeza de autoria do meu

lunático xará:

A vida e a obra de Bocage


Carlos Iannone


A vida de Bocage

Bocage viveu numa época em que os poetas se agrupavam em torno de associações literárias denominadas Arcádias. Entretanto, dono de um temperamento irrequieto, polêmico e insatisfeito, Bocage não conseguiu se submeter às normas dessas instituições, renegando-as. Nascido em Setúbal, a 15 de setembro de 1765, Manuel Maria de Barbosa du Bocage, recebeu desde cedo dos pais o maior carinho e o melhor estímulo à educação. Seu pai, José Luís Soares de Barbosa era advogado e exerceu diversos cargos da magistratura. Sua mãe, d. Mariana Joaquina Lestof du Bocage, filha de um vice-almirante francês a serviço da Armada Portuguesa, emprestou-lhe o sobrenome. O casal teve ainda mais cinco filhos: Gil Francisco, que foi jurisconsulto famoso, Ana das Mercês, Maria Agostinha, Maria Eugênia e Maria Francisca, companheira dedicada do poeta e que lhe assistiu os últimos momentos.

Pouco se sabe acerca dos primeiros anos da vida de Bocage. Antes de completar cinco anos, iniciou-se nas primeiras letras. Aos oito anos já lia e escrevia bem e compunha alguns versos. Aos dez anos, órfão de mãe, foi confiado ao professor espanhol d. João de Medina, que lhe ensinou a língua latina. A facilidade com que Bocage sempre interpretou os autores latinos e as traduções que fez atestam o quanto lhe foram úteis os ensinamentos daquele mestre estrangeiro. Com o pai aprendeu francês. Parece que, muitos anos depois, estudou italiano como autodidata, não chegando, porém, a dominar completamente esse idioma.

A primeira namorada de Bocage foi Gertrudes Homem de Noronha, a Gertrúria das seus versos, filha do governador da Torre de Outão, em Setúbal, cuja casa toda a família do poeta freqüentava.

Em setembro de 1781, Bocage assentou praça como soldado no regimento de Setúbal, onde permaneceu até 1783, ano em que se transferiu para a Armada Real. Fez os estudos na Academia Real da Marinha. Nessa altura, Bocage já freqüentava os bares da boêmia lisboeta, granjeando fama como poeta satírico-erótico e como homem de espírito irrequieto.

Em princípios de 1786 conseguiu a patente de guarda-marinha e, em abril, a bordo do navio “Nossa Senhora da Vida, Santo Antônio e Madalena”, embarcou para a Índia, levando em pensamento sua namorada Gertrudes. Entretanto, a mulher que lhe deu a princípio tanta felicidade foi também a responsável por horas de intensa amargura, casando-se com seu irmão Gil. O navio em que Bocage viajou fez escala no Rio de Janeiro, onde o governador Luís de Vasconcelos recebeu-o da melhor maneira possível, relacionando-o com a melhor sociedade da época.

Em outubro de 1786, desembarcou em Goa, na Índia, lá residindo por um espaço de 28 meses. Tentou continuar seus estudos na Aula Real da Marinha, mas por duas vezes foi abrigado a abandonar o curso.

Com a eclosão da Conspiração dos Pintos, que se propunha a subjugar a guarnição portuguesa de Goa e expulsar os europeus, Bocage participou dos combates. Sufocada a rebelião, o poeta foi promovido a tenente de infantaria para o regimento da Praça de Damão, para onde seguiu em 1789. Parece que Bocage detestou Damão. Alguns dias após sua chegada e apresentação no novo regimento, Bocage, em companhia de um alferes endividado, empreendeu fuga. Desertor, embarcou para Macau, mas uma tempestade colheu seu barco, que foi aportar em Catão. Lá, Bocage passou privações e, graças à interferência de um comerciante, conseguiu junto ao governador os meios para regressar a Portugal, chegando em Lisboa, em agosto de 1790.

A notícia do casamento de Gertrudes com seu irmão desilude-o. Bocage entrega-se, então, a uma vida desregrada e boêmia, “fumando e bebendo, numa excitação doentia, numa embriaguez de espírito”. Ganha, contudo, cada vez mais, popularidade como poeta. Em 1791, publicou o primeiro volume das suas poesias, Rimas. Nesse mesmo ano, foi convidado para fazer parte da Academia das Belas-Artes ou Nova Arcádia, instalada na casa do conde de Pombeiro e presidida pelo poeta Domingos Caldas Barbosa. Conforme prezava a sociedade, cada associado deveria ser conhecido por um pseudônimo de origem, sempre que possível, grega. Bocage escolheu para si o de Elmano Sadino. Entretanto permaneceu pouco tempo entre os companheiros árcades. Travou violenta polêmica em versos satíricos com seus ex-colegas da Arcádia. Acusado de “herético perigoso e dissoluto”, após a publicação da epístola Pavorosa Ilusão da Eternidade, inspirada na sua paixão por Maria Margarida, foi obrigado a refugiar-se. Descoberto, foi preso na Cadeia da Corte, em Limoeiro, em 1797, e daí seguiu para os cárceres da Inquisição, de onde saiu, primeiramente, para o Mosteiro de São Paulo e, depois, para o Recolhimento de Nossa Senhora das Necessidades, um tipo de hospício, em 1798. Recorrendo a amigos e suplicando a muitas autoridades e pessoas de influência, obteve clemência por parte da Inquisição e foi posto em liberdade.

Com o desamparo que, de um momento para outro, se encontraram a irmã Maria Francisca e sua sobrinha, Bocage começou a trabalhar, aceitando a função de tradutor de versos de poemas didáticos, oferecida pelo erudito frei José Mariano Veloso.

O abuso do fumo e da bebida levou Bocage à cama, pela primeira vez. Os cuidados de uma família amiga salvaram-no desta primeira enfermidade. Entretanto, onze anos depois, em 1804, caía Manuel Maria doente para nunca mais sarar. A 21 de dezembro de 1805, após quase um ano de sofrimento, assistido pela irmã Maria Francisca, morreu Bocage. “Ao 3.° andar do Terreiro de André Valente subiu gente de todas as categorias sociais, irmanada no mesmo sentimento de pesar. O povo da capital consternou-se e os amigos mais íntimos fizeram-lhe funeral decente. Foi sepultado no Cemitério da Igreja Paroquial da Nossa Senhora das Mercês, no Bairro Alto, a poucos metros da sua residência”, registra Guerreiro Murta.

A obra de Bocage

Bocage, em vida, publicou os Idílios Marítimos (1791) e os três volumes que compõem as Rimas, respectivamente, em 1791, 1799 e 1804. Mais tarde, após a sua morte, saíram mais três volumes de poemas, intitulados Obras Poéticas (1812-1813) e Verdadeiras Inéditas Obras Poéticas (1814). Coube, entretanto, a Inocêncio Francisco da Silva, em 1853, a melhor edição dos poemas bocageanos, reunindo-os em seis volumes sob o título de Poesias. Recentemente, saiu em pequeno volume as Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas de Bocage.

Conhecedor da língua latina com perfeição, teve a oportunidade de traduzir os Fastos, de Ovídio, as Metamorfoses, do mesmo autor, e as Éclogas, de Virgílio. Foi ainda o tradutor, entre outras, das seguintes obras: Os Jardins, de Delille, Eufêmia, de Arnaud, O Consórcio das Flores, epístola de Lacroix, As Plantas, de Castel, A Agricultura, de Rosset, O Conto de Tripoli, de José Francisco Cardoso, História de Paulo e Virgínia, de Bernardin de Saint-Pierre, o primeiro canto de A Columbíada, da sua tia-avó Mariana du Bocage, e a História de Gil Brás, de Santilhana.

Bocage foi poeta satírico e, inegavelmente, o maior poeta lírico do século 18. Improvisador e dono de um temperamento agressivo, Bocage teve tudo para ser um grande poeta satírico. E, na verdade, foi. Soube cultivar, como ninguém, a sátira, deixando versos famosos, como por exemplo a “Pena de Talião”, crítica contundente à figura do clérigo árcade José Agostinho de Macedo. Às vezes, contudo, a sua sátira é delicada e elegante, como acontece no diálogo entre Coridon e Elmano, construído para atacar os versos do capelão da igreja de Almoster, e nos epigramas contra os médicos.

A poesia lírica - amorosa, bucólica e elegíaca - exprimiu-a Bocage em sonetos, odes, cantatas, epístolas, idílios, elegias etc. Em algumas destas espécies, com o seu gênio criador, conseguiu superar as convenções do Arcadismo (ou Neoclassicismo), como por exemplo em “A Morte de Leandro e Hero”, cantata, “que pela sua ambiência especial e contextura dramática e sombria, preludia os novos tempos que se avizinham” (Feliciano Ramos). Em outras, como nos poemas longos, sentimo-lo excessivamente preso ao convencionalismo da escola dos anos setecentos. Por esse motivo, pode-se falar em um Bocage árcade e em um Bocage pré-romântico.

Na fase arcádica (odes, idílios, cantatas e epigramas) a sua poesia caracteriza-se pelo emprego de alegorias e pela presença da mitologia ao gosto clássico: “Olha o Tejo, a sorrir-se! Olha, não sentes / Os Zéfiros brincar por entre as flores?” O bucolismo convencional faz-se presente, com diálogos entre pastores e através da paisagem campesina. Os amores infelizes são uma constante na sua musa. É, sem dúvida alguma, esta fase inferior a que se segue, deixando bastante a desejar “sob o ponto de vista estético, por inadequação da forma poética ao conteúdo: os moldes arcádicos, e sobretudo a linguagem retórica, latinizante e viciada de expressões feitas, atraiçoam a sua mensagem, tão marcadamente pessoal” (Luft).

A segunda fase, pré-romântica, caracteriza-se fundamentalmente por um “libertarismo emocional”, conseqüência da superação das normas impostas pelo movimento arcádico. A poesia bocageana adquire um tom pessoal que se contrapõe à impessoalidade que caracterizava a fase anterior. O amor, o destino, a fatalidade, a solidão, a morte, são os temas preferidos para os seus sonetos e sobre eles medita Bocage. Conforme assinala Massaud Moisés, na sua A Literatura Portuguesa, “tem-se a poesia da confissão, da carpidação, do arrependimento, resultante da contemplação do ‘eu’ a si próprio, numa dor perene, acima de qualquer contingência externa. Aqui, Bocage atinge acentos típicos da mais elevada poesia, pela purificação da sensibilidade, pela tensão dramática, pela sinceridade autobiográfica do sofrimento moral transposto em arte, pela sondagem interior processada quase sem os entraves da consciência, e, por fim, pelo encontro feliz de soluções expressivas que não ficaram totalmente desconhecidas ao longo do século 19”.

Como sonetista, Bocage tem sido considerado um dos três maiores em língua portuguesa, ao lado de Camões e Antero de Quental.

Constituem-se os sonetos bocageanos em “verdadeiros diários íntimos”, merecendo destaque especial os dois que foram reunidos sob o titulo “Adeus, ó mundo! ó natureza! ó nada!” (“Meu ser evaporei na lida insana” e “Já Bocage não sou!...”), autobiográficos, em que Bocage confessa as dissipações da vida passada e “exprime com comoção o seu arrependimento”.

Bocage lírico


A poesia lírica de Bocage apresenta duas vertentes principais: uma, luminosa, etérea, em que o poeta se entrega inebriado à evocação da beleza das suas amadas (Marilia, Jónia, Armia, Anarda, Anália), expressando lapidarmente a sua vivência amorosa torrencial:

"Eu louco, eu cego, eu mísero, eu perdido
De ti só trago cheia, oh Jónia, a mente;
Do mais e de mim ando esquecido."


outra, nocturna, pessimista, depressiva em que manifesta a incomensurável dor que o tolhe, devido à indiferença, à traição, à ingratidão ou à " tirania" de Nise, Armia, Flérida ou Alcina.

Estas assimetrias são um lugar-comum na obra de Bocage, plena de contrários. São ainda o corolário do seu temperamento arrebatado e emotivo. A dialéctica está bem patente nos seus versos:

"Travam-se gosto e dor; sossego e lida...
É lei da Natureza, é lei da Sorte
Que seja o mal e o bem matiz da vida!"


Na sua poética prevalece a segunda vertente mencionada, o sofrimento, o "horror", as "trevas", facto que o faz, com frequência, ansiar pela sepultura, "refúgio me promete a amiga Morte", como afirma nomeadamente.

A relação que tem com as mulheres é também melindrosa, precária. O ciúme "infernal" rouba-lhe o sono, acentua-lhe a depressão.

Bocage considera que a desventura que o oprime é fruto de um destino inexorável, irreversível, contra o qual nada pode fazer. A "Fortuna", a "Sorte", o "Fado", no seu entender, marcaram-no indelevelmente para o sofrimento atroz, como se depreende dos seguintes versos:

"Chorei debalde minha negra sina",
"em sanguíneo carácter foi marcado
pelos Destinos meu primeiro instante".



Outro aspecto relevante a ponderar na avaliação da poesia de Bocage é a dialéctica razão/sentimento. Com efeito, existe um conflito aberto entre a exuberância do amor, também físico, a sua entrega total, e a contenção e a frieza do racional:

"Razão, de que me serve o teu socorro?
Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo;
Dizes-me que sossegue, eu peno, eu morro",



ou ainda quando escreve:

"contra os sentidos a razão murmura".



Bocage viveu num período de transição, conturbado, em convulsão. A sua obra espelha essa instabilidade. Por um lado, reflecte as influências da cultura clássica, cultivando os seus géneros, fazendo apelo à mitologia, utilizando vocabulário genuíno; por outro lado, é um pré-romântico pois liberta-se das teias da razão, extravasa com intensidade tudo o que lhe vai na alma, torrencialmente expressa os seus sentimentos, faz a apologia da solidão.

Marília, nos teus olhos buliçosos


Bocage poeta da Liberdade

Quando Bocage regressou do Oriente, a Revolução Francesa estava no seu auge e constituía um paradigma para muitos intelectuais europeus, que se reviam na trilogia igualdade, fraternidade e liberdade. Estes conceitos libertadores foram universalmente disseminados, tendo desempenhado um papel fundamental na independência dos Estados-Unidos e na eclosão do liberalismo.

Os princípios da Revolução Francesa foram amplamente divulgados através de livros e de folhetos que entravam em Portugal por via marítima, nomeadamente pelos portos de Lisboa e de Setúbal. Mais tarde, eram discutidos pelos cafés de Lisboa, que constituíam locais privilegiados de subversão relativamente ao poder instituído. Este, por sua vez, sob a mão férrea de Pina Manique, teceu uma extensa rede de agentes repressivos que vigiava zelosamente aqueles locais frequentados por apologistas das ideias francesas.

Bocage vivenciou a boémia lisboeta e foi, certamente, um dos dinamizadores de intermináveis discussões políticas e de críticas aceradas ao regime. Tal prática quotidiana esteve na origem do seu encarceramento em 1797, acusado de crime de lesa-majestade. Com efeito, alguns dos seus poemas revelaram-se particularmente críticos para com a sociedade vigente, que se caracterizava pela intolerância e pela recusa dos ideais democráticos. Eis um soneto elucidativo:

"Sanhudo, inexorável Despotismo
Monstro que em pranto, em sangue a fúria cevas,
Que em mil quadros horríficos te enlevas,
Obra da Iniquidade e do Ateísmo:

Assanhas o danado Fanatismo,
Porque te escore o trono onde te enlevas;
Por que o sol da Verdade envolva em trevas
E sepulte a Razão num denso abismo.

Da sagrada Virtude o colo pisas,
E aos satélites vis da prepotência
De crimes infernais o plano gizas,

Mas, apesar da bárbara insolência,
Reinas só no ext'rior, não tiranizas
Do livre coração a independência."



Além das odes à liberdade, Bocage compôs outros poemas que se radicaram no ideário político. Com efeito, fez a apologia de Napoleão, que consolidou a Revolução Francesa, a quem apelidou de "novo redentor da Natureza", criticou a nobreza, manifestou a sua ironia relativamente a um clero que se pautava pela incoerência entre o que apregoava e o que fazia, tendo ainda retratado causticamente classes sociais privilegiadas.


Arguto observador da sociedade, Bocage foi a consciência crítica de uma ordem social que se encontrava em profunda mutação. Neste contexto, não surpreende que tenha cultivado a sátira, género que estava em sintonia com a sua personalidade e que servia integralmente os seus desígnios de carácter reformador.

As sátiras de Bocage tiveram como alvo, entre outros, a "Nova Arcádia", associação de escritores incentivada por Pina Manique. Nela se praticava o elogio mútuo, sendo a produção poética de pouca qualidade e estritamente de acordo com os cânones clássicos.

A rivalidade entre Bocage e alguns dos poetas que constituíam aquela academia, rapidamente se tornou um lugar comum das sessões dirigidas por Domingos Caldas Barbosa, escritor e músico oriundo do Brasil, que foi particularmente visado na sátira bocageana. Sucederam-se, então, os ataques pessoais em quadra ou em soneto, alguns dos quais se caracterizaram por uma extrema violência. José Agostinho de Macedo, o temido "Padre Lagosta", Belchior Curvo Semedo, Luís França Amaral, entre outros, foram severamente retratados por Bocage, que por sua vez sofreu impiedosos ataques daqueles árcades. Eis um soneto cáustico de Bocage, evocativo de uma sessão da "Nova Arcádia":

"Preside o neto da rainha Ginga
À corja vil, aduladora, insana.
Traz sujo moço amostras de chanfana,
Em copos desiguais se esgota a pinga.

Vem pão, manteiga e chá, tudo à catinga;
Masca farinha a turba americana;
E o oragotango a corda à banza abana,
Com gesto e visagens de mandinga.

Um bando de comparsas logo acode
Do fofo Conde ao novo Talaveiras;
Improvisa berrando o rouco bode.

Aplaudem de contínuo as frioleiras
Belmiro em ditirambo, o ex-frade em ode.
Eis aqui de Lereno as quartas-feiras."



A crítica acutilante de Bocage estendeu-se também ao clero. Em causa estava a incoerência daquela classe social, que apregoava do púlpito a virtude e tinha uma prática quotiana que se encontrava exactamente nos antípodas. Por outro lado, o poeta manifestou-se sempre contra uma concepção fundamentalista da religião, que tinha como pedra de toque o medo e o castigo eterno. Eis uma quadra satírica atribuída a Bocage, que visa o clero:

"Casou-se um bonzo da China
Com uma mulher feiticeira
Nasceram três filhos gémeos
Um burro, um frade e uma freira."



Outros sectores da sociedade foram também fustigados pela pena de Bocage. Com efeito, a nobreza, os médicos, os tabeliães, bem como alguns tipos sociais encontram-se retratados na sua obra.

A poesia erótica de Bocage

"Mais doce é ver-te de meus ais vencida
Dar-me em teus brandos olhos desmaiados
Morte, morte de amor, melhor que a vida"




O erotismo tem sido cultivado com alguma frequência na literatura portuguesa. Encontramo-lo, por exemplo, nas "Cantigas de Escárnio e Mal-dizer", no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, em Gil Vicente, em Camões cujo canto IX dos Lusíadas nos dá um fresco dos prazeres dos nautas portugueses inebriados por mil sereias.

No presente século, Fernando Pessoa, curiosamente nos seus English Poems, Mário de Sá-Carneiro, Guerra Junqueiro, António Botto, Melo e Castro, Jorge de Sena, entre muitos outros, celebraram nos seus escritos os rituais de Eros.

No século XVIII prevalecia um puritanismo limitador. Com efeito, era difícil uma pessoa assumir-se integralmente, de corpo e alma. Tabus sociais, regras estritas, uma educação preconceituosa, a moral católica tornavam a sexualidade uma vertente menos nobre do ser humano. Por outro lado, uma censura férrea mutilava indelevelmente os textos mais ousados e a omnipresente Inquisição demovia os recalcitrantes. Em presença desta conjuntura, ousar trilhar a senda do proibido, transgredir era, obviamente, um apelo inexorável para os escritores, uma maneira salutar de se afirmarem na sua plenitude, um imperativo categórico.

Em Bocage, a transgressão foi pedra de toque, o conflito generalizado. As suas críticas aceradas aos poderosos, a determinados tipos sociais, ao novo-riquismo, à mediocridade, à hipocrisia, aos literatos, o seu anti-clericalismo convicto, a apologia dos ideais republicanos que sopravam energicamente de França, a agitação que disseminava pelos botequins e cafés de Lisboa, o tipo de vida , "pouco exemplar" para os vindouros e para os respeitáveis chefes de família e a sua extrema irreverência tiveram como corolário ser considerado subversivo e perigoso para a sociedade.

Poder-se-á afirmar que a poesia erótica de Bocage adquiriu uma dimensão mais profunda do que a que foi composta anteriormente. Pela primeira vez, é feito um apelo claro e inequívoco ao amor livre. A "Pavorosa Ilusão da Eternidade - Epístola a Marília", constitui uma crítica contundente ao conceito de um Deus castigador, punitivo e pouco sensível ao sofrimento da humanidade - à revelia dos ideais cristãos - que grande parte do clero perfilhava; mas também consubstancia um acto de subversão na medida em que convida Marília "à mais velha cerimónia do mundo", independentemente da moral vigente e dos valores cristalizados. Estava, à luz dos conceitos da época, de certa maneira, a minar as bases da sociedade, pondo em causa a própria família.

O referido poema, bem como o seu estilo de vida, estiveram na origem do seu encarceramento, por ordem irreversível de Pina Manique, irrepreensível guardião da moral e dos costumes da sociedade. A prisão do Limoeiro, os cárceres da Inquisição, o Mosteiro de S. Bento e o Hospício das Necessidades, por onde sucessivamente passou para ser "reeducado", não o demoveram da sua filosofia de vida, estuante de liberdade, interveniente, pugnando pela justiça, assumindo-se integralmente, ferindo os sons da lira em demanda do apuro formal que melhor veiculasse as suas legítimas preocupações.

Só cerca de cinquenta anos após o falecimento de Bocage, foram publicados pela primeira vez as suas poesias eróticas. Corria o ano de 1854 e apareceram na sequência da publicação criteriosa das obras completas, em 6 volumes, pelo emérito bibliógrafo Inocêncio da Silva. Para evitar a sua apreensão e os tribunais, a obra saiu clandestinamente, sem editor explícito e com um local de edição fictício na capa: Bruxellas. Este facto de se não referir o editor foi prática comum até à implantação da República. Embora feitas em Portugal, anonimamente, as Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas apresentaram como local de edição sucessivamente Bruxellas (1860, 1870, 1879, 1884, 1899, 1900), Bahia (1860, 1861), Rio de Janeiro (1861), Cochinchina (1 885), Londres (1900), Paris (1901, 1902, 1908, 1908), Amsterdam (1907) e Leipzig (1 907). Malhas que a implacável censura tecia...

As Cartas de Olinda a Alzira - que constituem um caso inédito na literatura portuguesa, pois são um relato das primícias sexuais de uma jovem, na primeira pessoa, como assinala Alfredo Margarido - por sua vez, são dadas à estampa nos finais do século passado com as precauções proverbiais: sem a menção da data, editor, local ou organizador.

Com o advento da República, a liberdade de expressão, grosso modo, foi uma realidade. Estavam reunidas as condições objectivas e subjectivas para a Guimarães Editores assumir a publicação de Olinda e Alzira, em 1915.

Nos anos que se seguiram ao 28 de Maio de 1926, mais concretamente durante o consulado de Salazar, a censura foi reinstalada e a poesia erótica de Bocage voltou à clandestinidade, fazendo parte do índex de livros proibidos. Circulava sub-repticiamente, em edições anónimas, teoricamente feitas em "London", apresentando as datas de 1926 ou 1964.

Coincidiu com a primavera marcelista, nos finais da década de 60, a publicação das obras completas de Bocage, superiormente dirigida por Hernâni Cidade. Em edição de luxo, a editorial Artis, fascículo a fascículo, foi estampando toda a obra poética. O último volume contemplava as poesias eróticas. Num prefácio bem tecido, aquele biógrafo justificava a sua inclusão, fazendo notar a tradição do erotismo na poesia portuguesa, mencionando inclusivamente mulheres que, sem falsos pudores, analisaram esta problemática, caso concreto de Carolina Michaêlis, "que às riquezas do espírito altíssimo juntava os tesouros do coração modelar de esposa e mãe." O facto desta obra ser vendida por fascículos e consequentemente não estar acessível ao grande público nas livrarias, bem como as razões aduzidas por Hernâni Cidade, terão convencido os ciosos censores.

Com o 25 de Abril, têm-se sucedido as edições, sem a preocupação de um estudo introdutório que perspectiva o erotismo na obra de Bocage. O lucro fácil prevaleceu em detrimento da verdade literária. Tendo em consideração que Bocage deixou muito poucos autógrafos manuscritos dada a sua proverbial dispersão, não se pode ter a certeza relativamente à autoria de algumas poesias eróticas que circulam como se do poeta fossem. Com efeito, a primeira edição da sua poesia erótica, dada à luz em 1854, terá sido publicado a partir de um caderno manuscrito que incluía cópias de composições de vários autores anónimos. Umas serão certamente do seu estro poético, outras, está provado hoje em dia, foram compostas por Pedro José Constâncio, Sebastião Xavier Botelho, Abade de Jazente e João Vicente Pimentel Maldonado. Porém, de imediato, foram identificados como se da pena de Bocage tivessem saído, pois a sua fama de libertino era marcante na época.

Curioso é ainda o facto de essas composições continuarem a fazer parte do corpo das edições das Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas que se publicam nos tempos que correm. É urgente fazer-se uma análise estilística - tarefa de extrema dificuldade - e identificar-se, na medida do possível, os poemas que são da autoria de Bocage, os que poderão eventualmente sê-lo e retirar ou colocar em apêndice os que manifestamente não lhe pertencem.

Uma vertente menos conhecida da obra de Bocage é, indesmentivelmente, a tradução. Com efeito, os seus biógrafos só muito levemente focaram esta sua intensa actividade. Bocage possuía uma sólida formação clássica. Na adolescência aprendeu latim com um padre espanhol, Don Juan Medina. Mais tarde, na sequência da morte da mãe, teve como mestre alguém pouco sensível aos atributos da persuasão, como o próprio Bocage evocava:

"Se continuo mais tempo, aleija-me."



O escritor beneficiava ainda do facto de ser de origem francesa, língua que, consequentemente, dominava com maestria.

A primeira tradução de que há notícia remonta ao ano de 1793. Porém, só a partir de 1800 enveredou por uma actividade sistemática como tradutor. Coincide esta opção com um período de sedentarização de Bocage, cuja saúde se encontrava prematura e seriamente minada, e com um convite de José Mariano Velloso, director da famosa, pelas suas exemplares estampas, Tipografia Calcográfica do Arco do Cego.

Em 1800, foi dado à luz o livro de Delille Os Jardins ou a Arte de Afformosear as Paisagens, vertido para a língua portuguesa por Bocage. Esta publicação foi pretexto para os seus múltiplos adversários fazerem violentos reparos à sua tradução.

O poeta respondeu-lhes contundentemente, um ano depois, no prólogo do livro de Ricardo Castel As Plantas. Apelida-os de "aves sinistras", "corvos de inveja", "malignos", "maldito, grasnador, nocturno enxame que voar não podendo, odeia os voos", "zoilos", entre outros epítetos pouco lisonjeiros.

Nos ataques viscerais que Bocage sofreu, distinguiu-se José Agostinho de Macedo, arqui-inimigo desde a "Arcádia Lusitana", que subscreveu a composição "Sempre, oh Bocage, as sátiras serviram..." Pulverizando a argumentação do seu opositor, Elmano compôs a célebre sátira Pena de Talião, segundo reza a tradição, de um só fôlego, sob extrema emotividade. A polémica entre ambos foi alimentada por diversas vezes, até 1805, data do falecimento de Bocage, havendo, porém, a registar a reconciliação entre ambos, pouco antes do infausto desenlace. Reacendeu-se, porém, mais tarde quando os seus discípulos se envolveram com José Agostinho de Macedo, fazendo-lhe acusações gravosas, ao que parece fundamentadas.

Da autoria de Bocage é a tradução dos seguintes livros: "Eufemia ou o Triunfo da Religião de Arnaud (1793), As Chinelas de Abu-Casem: Conto Arabico (1797), Historia de Gil Braz de Santilhana de Le Sage (1798), Os Jardins ou Arte de Afformosear as Paisagens de Delille (1800), Canto Heroico sobre as Façanhas dos Portugueses na Expedição de Tripoli (1800) e Elegia ao lllustrissimo (...) D. Rodrigo de Sousa Coutinho (1800) ambos da autoria do poeta brasileiro José Francisco Cardoso, As Plantas de Ricardo Castel (1801), O Consórcio das Flores: Epistola de La Croix (1801), Galathéa (1802) de Florian, Rogerio e Victor de Sabran ou o Tragico Effeito do Ciume (1802) e Ericia ou a Vestal (1805) de Arnaud.

Postumamente foi publicada a tradução de Paulo e Virginia de Bernardin de Saint-Pierre. Corria o ano de 1905 e foi lançada no âmbito da comemoração do primeiro centenário do falecimento de Bocage. O autógrafo manuscrito pertencera a Camilo Castelo Branco que o ofereceu ao editor Lello; este, por sua vez, doou-o à Biblioteca Municipal do Porto, onde se encontra, neste momento, depositado.

Nas suas traduções, Bocage contemplou os clássicos - Ovídio, Horácio, Virgílio, Alceu, Tasso - bem como autores modernos, Voltaire, La Fontaine, entre outros.

A maneira cuidada como o poeta empreendeu as suas traduções é-nos descrita por ele próprio no prólogo a Os Jardins ou Arte de Afformosear as Paizagens: " ... lhe apresento esta versão, a mais concisa, a mais fiel, que pude ordená-la, e em que só usei o circunlóquio dos lugares, cuja tradução literal se não compadecia, a meu ver, com a elegância, que deve reinar em todas as composições poéticas.

Registe-se ainda o facto de Bocage se manifestar ostensivamente contra o uso de galicismos que enxameavam a nossa língua.


Bocage e seus amores

Amores, Bocage teve muitos. E isso contribuiu para que o poeta ficasse conhecido ao longo da história como namorador e libertino. Em seus poemas surgem os nomes de Marília, Ritália, Márcia, Gertrúria etc. Há quem diga que todas elas são mulheres por quem o poeta enamorou-se.

As duas primeiras, correspondem a Maria Margarida Rita Constâncio Alves, que alguns estudiosos apontam como a maior paixão do poeta. Márcia é um anagrana de Maria Vicencia e Gertrúria é Gertrudes Homem de Noronha, filha do governador da Torre de Outão em Setúbal, por quem o poeta enamorou-se logo cedo. Devido a quantidade de versos dedicados a Gertrúria, tudo leva a crer que tenha sido ela o grande amor do poeta.

Ao seguir para a Índia, Bocage faz um poema expressando os seus sentimentos amororos:

"Ah! Que fazes, Elmano? Ah! Não te ausentes
Dos braços de Gertrúria carinhosa:
Trocas do Tejo a margem deleitosa
Por bárbaro país, bárbaras gentes?

Um tigre te gerou se dó não sentes
Vendo tão consternada e tão saudosa
A tágide mais linda e mais mimosa;
Ah! Que fazes, Elmano? Ah! Não te ausentes

(...)"

Cabe aqui uma pergunta: Se Bocage estava realmente apaixonado por Getrúria por que abandonou o seu amor e seguiu viagem para Goa?
Por receio de seus atos boêmios!
Para seguir o caminho traçado por Camões!
Para tentar carreira militar!
Para conseguir um nome ilustre e ser digno de Gertrudes!
Todas essas são possíveis respostas para essa pergunta, mas nenhuma delas pode ser comprovada com argumentos lógicos.

Bocage

Poeta lírico neoclássico português, que tinha pretensão a vir a ser um segundo Camões, mas que dissipou suas energias numa vida agitada. Nasceu em Setúbal, em 15/09/1765 e morreu em Lisboa (21/12/1805), aos 40 anos de idade, vítima de um aneurisma. Nos últimos anos o poeta vivia com uma irmã e uma sobrinha, sustentando-as com traduções de livros didáticos. Para viver seus últimos dias, inclusive, teve de valer-se de um amigo (José Pedro da Silva) que vendia, nas ruas de Lisboa, suas derradeiras composições: Improvisos de Bocage na Sua Mui Perigosa Enfermidade e Coleção dos Novos Improvisos de Bocage na Sua Moléstia.
Desde cedo Bocage entra em contato com as letras. Aos oito anos escreve e lê com certa desenvoltura e logo surgem as primeiras composições, que superam os dotes artísticos do pai, que também versejava.


"Das faixas infantis despido apenas,
Sentia o socro fogo arder na mente;
Meu terno coração inda inocente
Iam ganhando as plácida Camenas."

Depois da morte da mãe, quando o poeta tinha apenas dez anos, Bocage é mandado estudar com D. João de Medina, com quem aprende Latim, língua essa que lhe seria muito útil nas posteriores atividades como tradutor. Bocage aprende ainda francês com o pai e italiano sendo, nessa língua, segundo alguns biógrafos, autodidata.

Por volta de 1781 Bocage foge de casa e assenta praça, como soldado, no regimento de Setúbal. Dois anos depois ingressa no corpo da Marinha Real e vai para Lisboa onde entra em contato com a boemia e a vida intelectual desse lugar. O Bocage dessa época é um poeta atraído pelos clássicos gregos e também pelos clássicos da sua terra, como por exemplo: Camões, que era, como o próprio nos mostra no fragmento do soneto abaixo, o seu modelo.

"Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa no fez perdendo o Tejo
Arrostar co sacrílego gigante:

Modelo meu tu és... Mas, oh tristeza!...
Se te imito nos transes da ventura,
Não te imito nos dons da Natureza."

Os versos de Bocage, nessa fase, estão presos aos valores literários da época. Eles são corretíssimos, ou seja, perfeitos na rima e na métrica, porém, são pouco originais e nada espontâneos. O próprio Bocage criticou, anos mais tarde, a a sua falta de criatividade, como pode ser observado no fragmento do soneto abaixo:

"Incultas produções da mocidade
Exponho a vossos olhos, ó leitores:
Vede-as com mágoa, vede-as com piedade,
Que elas buscam piedade, e não louvores:

(...)

E se entre versos mil de sentimento
Encontrqades alguns, cuja aparência
Indique festival contentamento,

Crede, ó mortais, que foram com violência
Escritos pela mão do Figimento,
Cantados pela voz da Dependência."

Ainda nesse período, sua poesia está repleta de Marílias, Fílis, Nises e tantas outras ninfas que se transformam em pastoras e vivem sob o clima pastoril que caracterizou as produções Árcades.
A ninfa de maior destaque é Gertrúria, devido a quantidade de versos a ela dedicados, acredita-se que ela tenha sido o maior dos amores do poeta.

Tendo voltado a Portugal em 1790, ingressou então na Nova Arcádia — uma academia literária com vagas vocações igualitárias e libertárias —, usando o pseudônimo de Elmano Sadino. Contudo, de temperamento forte e violento, desentendeu-se com seus pares, e suas sátiras a respeito deles levou à sua expulsão do grupo. Seguiu-se uma longa guerra de versos que envolveu a maior parte dos poetas lisboetas.
Em 1797, acusado de heresia, dissolução dos costumes e idéias republicanas, foi implacavelmente perseguido, julgado e condenado, sendo sucessivamente encarcerado em várias prisões portuguesas. Ali realizou traduções de Virgílio, Ovídio, Tasso, Rousseau, Racine e Voltaire, que o ajudaram a sobreviver seus anos seguintes, como homem livre. Ao recuperar a liberdade, graças à influência de amigos, e com a promessa de criar juízo, o poeta, envelhecido, parece ter abandonado a boêmia e zelado até seus últimos momentos por impor aos seus contemporâneos uma imagem nova: a de homem arrependido, digno e chefe de família exemplar. Sua passagem pelo Convento dos Oratorianos (onde é doutrinado, logo após sua saída da cadeia) parece ter contribuído para tal.
Portugal, na época de Bocage, era um império em ruínas, imerso no atraso, na decadência econômica e na libertinagem cortesã, feita às custas da miséria de servos e operários, perpetuando o pantanal cinzento do absolutismo e das atitudes inquisitoriais, da Real Mesa Censória e dos calabouços destinados aos maçons e descontentes.
Ninguém encarnou melhor o espírito da classe dirigente lusitana do fim do século XVIII do que Pina Manique. Ex-policial e ex-juiz, conquistou a confiança dos poderosos, tornando-se o grande senhor do reinado de D. Maria I (só oficialmente reconhecida como louca em 1795), reprimindo com grande ferocidade tudo o que pudesse lembrar as "abomináveis idéias francesas". Graças a ele, inúmeros sábios, cientistas e artistas conheceram o caminho do exílio.
Bocage usou vários tipos de versos, mas fez o melhor no soneto. Não obstante a estrutura neoclássica de sua obra poética, seu intenso tom pessoal, a freqüente violência na expressão e a auto-dramatizada obsessão face ao destino e à morte, anteciparam o Romantismo.
Suas poesias, Rimas, foram publicadas em três volumes (1791, 1799 e 1804). O último deles foi dedicado à Marquesa de Alorna, que passou a protegê-lo.
Os poemas não censurados do autor são geralmente convencionais e bajulatórios, copiando a lição dos mestres neoclássicos e abusando da mitologia, uma espécie de poesia acadêmica feita por e para iniciados. Outra parcela de sua obra é considerada pré-romântica, trazendo para poesia o mundo pessoal e subjetivo da paixão amorosa, do sofrimento e da morte.
Já sua poesia censurada surgiu da necessidade de agradar ao público que pagava: com admirável precisão, o poeta punha o dedo acusador nas chagas sociais de um país de aristocracia decadente, aliada a um clero corrupto, comprometidos ambos com uma política interna e externa anacrônica para aquele momento. Também está presente ali a exaltação do amor físico que, inspirado no modelo natural, varre longe todo o platonismo fictício de uma sociedade que via pecado e imoralidade em tudo o que não fosse convenientemente escondido.

27 de ago. de 2008

A pintura Neoclássica

A pintura do neoclassicismo desenvolve-se durante o final do século XVIII a partir de França, como reação aos excessos do barroco e do rococó, no contexto cultural do Iluminismo e da influência da Antiguidade Clássica, impulsionada pelas escavações das cidades da Roma Antiga, Pompéia e Herculano.

As alterações políticas da época levam a uma necessidade geral de ruptura com o passado próximo e com a sua estética associada, o barroco. Também a nova prioridade dada ao racionalismo e ao novo modo de percepção do mundo, que emerge com o Iluminismo, abala a fé religiosa e relega para segundo plano as temáticas artísticas relacionadas com o espiritual. Desaparecem quase por completo as cenas religiosas para dar lugar ao gosto pelo historicismo (principalmente da Roma Antiga) e por temas mitológicos.

No despontar de uma nova era, torna-se imperial para os artistas, e para a sociedade em geral, a busca pelo verdadeiro, a pureza, a integridade moral e a virtude cívica, e a fonte indicada para esse objetivo é a Antiguidade Clássica e a sua arte. A arte greco-romana é a “nobre simplicidade e a tranqüila grandeza”, as linhas clássicas, claras e simples, surgem como um bálsamo para os que reagem contra as formas exageradas e excessivas do barroco. Mas esta interpretação do passado vai assumir características diferentes daquelas assumidas durante o Renascimento. Os artistas neoclássicos vão basear-se na sua estética, mas vão atribuir-lhe um novo significado e um novo conteúdo, vão usá-la como invólucro da mensagem contemporânea da nova visão do mundo e da sociedade. Mas a grande parte das peças da Antiguidade Clássica descobertas no século XVIII são tridimensionais: a escultura é uma das formas de expressão mais cultivada então, ao contrário da pintura. Desse modo, a maior influência pictórica assimilada pelos neoclássicos vai ser aquela deixada pela herança das pinturas dos artistas do Renascimento e do maneirismo.

A pintura neoclássica é uma pintura descritiva de forte realismo, onde o traço linear assume maior importância que a aplicação da cor (ao contrário da expressividade pictórica do Romantismo). As cenas vivem da composição formal, são harmoniosas, os elementos possuem contornos bem definidos e são dispostos em planos ortogonais equilibrados. De um modo geral as figuras assumem uma postura rígida, onde a luz artificial direcionada (em foco) ajuda à criação de um ambiente teatral, resultando numa imagem sólida e monumental. Esta frieza, conseguida pelo artificialismo da composição, distancia o observador, tornando a pintura numa imagem simbólica.

A nova concepção da arte

Após a Revolução Francesa, a concepção que a sociedade tem da arte transforma-se progressivamente. As peças de arte, até então mantidas sob o domínio do monarca francês, são tornadas públicas, e um dos primeiros espaços a se metamorfosear em museu é o palácio do Louvre. A arte passa, cada vez mais, a ser uma actividade pública exposta aos olhos de todos.

Também a figura do artista ganha mais liberdade. Não é mais obrigado a seguir um repertório iconográfico pré-definido, e de onde todas as obras originam. Ele próprio tem o poder de escolher o objecto da sua pintura, e ordená-lo como mais lhe aprouver de modo a transmitir a sua ideia.

A partir desta altura, em finais do século XVIII, os estilos pictóricos evoluem antes para momentos, onde é cada vez mais difícil apontar com precisão as directrizes condutoras de cada um. Vários estilos desenvolvem-se em paralelo, e dentro de cada estilo, cada artista segue o seu próprio caminho. Finaliza-se a unidade na arte, e abre-se o caminho à arte moderna.

Os principais representantes da pintura Neoclássica são:

A música neoclássica


O período que literariamente conhecemos como Arcadismo, para as outras artes, em especial a música e a pintura, ficou como Era Clássica e abrange desde a segunda metade do século XVIII até o início do século XIX. Época caracterizada pela claridade, simetria e equilíbrio em todos os aspectos. Os compositores mais conhecidos do Período Clássico são Franz Joseph Haydn Wolfgang Amadeus Mozart e Ludwig van Beethoven embora este último, no fim da vida, já introduza características do Romantismo.

Na história da música ocidental, o estilo que se desenvolveu durante os anos precedentes (1720/30 - 1770) é conhecido por "pré-clássico" ou menos pejorativo, o estilo de "meados do século". O gosto musical alterou-se profundamente como aconteceu com as artes visuais. Tal como estas últimas que revelaram uma preferência pelo equilíbrio e pela claridade da estrutura, também estas características tornaram-se pontos fulcrais para os compositores. No início, a composição musical passou de um estilo ornado do período Barroco para um estilo popular de extrema simplicidade. Os compositores deste período criaram obras que transpareciam claridade e acessibilidade acima de tudo; na verdade, reagiam contra o denso estilo polifônico do último período Barroco. Estas características encontram-se nas sinfonias de compositores como Giovanni Battista Sammartini (1700/01-1775) e Johann Stamitz (1717-1757). Estes traços de claridade e simplicidade, juntamente com uma elaboração sistemática de idéias, uma aproximação universal à expressão musical e uma preocupação com o equilíbrio entre estrutura e expressão, formam a base do estilo clássico.

Embora muitos compositores tenham vivido e composto durante o Período Clássico, as três maiores figuras são Franz Joseph Haydn (1732-1809), Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) e Ludwig van Beethoven (1770-1827). Cada um contribuiu significativamente para a sinfonia, a sonata para piano, a música de câmara- o quarteto de cordas em particular - e para a música de igreja. Todos utilizaram a Forma-sonata, que constitui o cerne do Período Clássico. A estrutura da sonata clássica, dependendo primeiro e principalmente do movimento harmónico, foi a forma predominante numa vasta série de primeiros movimentos de sinfonias, sonatas e obras de câmara. Foi também utilizada de outras formas, assim como em movimentos lentos e conclusivos dos géneros mencionados, em movimentos de grande magnitude, aberturas e em algumas partes de óperas. Neste último campo, Haydn e Mozart escreveram obras que foram bem recebidas pela audiência de então; contudo, só Mozart foi incluído no atual repertório lírico.

Os historiadores teriam inserido facilmente Haydn e Mozart no Período Clássico. A vida de ambos encaixa-se nitidamente no período em questão; além disso, neles encontra-se uma exploração preliminar do estilo dos meados do século, que depois é convertido num estilo mais pessoal e totalmente desenvolvido, trazendo consigo os traços esperados de um compositor clássico. Beethoven é mais problemático porque a sua música abrange os períodos clássico e romântico. As suas primeiras obras (até cerca de 1802) inserem-se no estilo do período em questão. As últimas obras, cheias de drama, tensão, exploração harmônica e estrutural são melhor discutidas dentro do contexto do século XIX.

Alguns compositores do período:

Referências

  • Blume, Friedrich. Classic and Romantic Music: A Comprehensive Survey. Translated by M. D. Herter Norton. New York: W. W. Norton and Co., 1970.
  • Heartz, Daniel. Haydn, Mozart, and the Viennese School, 1740-1780. New York: W. W. Norton and Co., 1995.
  • Rosen, Charles. The Classical Style: Haydn, Mozart, Beethoven. New York:W. W. Norton and Co., 1971.

7 de ago. de 2008

Arcadismo: introdução

Característico da Europa do século XVIII em seu contexto iluminista e de revolução burguesa, o Arcadismo buscou a expressão de um saber mais preciso e natural, tomando por modelo a antiguidade clássica. Originalmente italiano, passa à Espanha, a Portugal e ao Brasil da chamada escola mineira.

A primeira metade do século XVIII marcou a decadência do pensamento barroco, para a qual colaboraram vários fatores: a burguesia ascendente, voltadas para as questões mundanas, passou a deixar em segundo plano a religiosidade que permeava o pensamento barroco; além disso, o exagero da expressão barroca havia cansado o público, e a chamada arte cortesã, que se desenvolvera desde a Renascença, atingia um estágio estacionário e apresentava sinais de declínio, perdendo terreno para a arte burguesa, marcada pelo subjetivismo. Surgiram, então, as primeiras Arcádias, que procuravam a pureza e a simplicidade das formas clássicas.

A Arcádia, na Grécia antiga, era a região do Peloponeso, onde os pastores presumivelmente se dedicavam à dança, ao canto, à poesia bucólica e, , segundo a lenda, era dominada pelo deus Pan.

Os italianos, procurando imitar a lenda grega, criaram a Arcádia em 1690 - uma academia literária que reunia os escritores com a finalidade de combater o Barroco e difundir os ideais neoclássicos. Para serem coerentes com certos princípios, como simplicidade e igualdade, os cultos literatos árcades usavam roupas e pseudônimos de pastores gregos e reuniam-se em parques e jardins para gozar a vida natural.. Por isso se deu esse nome, inicialmente, ao círculo de escritores e artistas que no fim do século XVII, em Roma, se reuniam no palácio da ex-rainha Cristina, da Suécia, que passou a viver ali depois de se converter ao catolicismo e abdicar ao trono. Apaixonada pela literatura, Cristina gostava de se cercar de críticos e poetas. Após sua morte, em 1689, seu salão transformou-se na academia denominada Arcadia, com 16 integrantes que assumiram novos nomes gregos e latinos, diziam-se "pastores", chamavam seu presidente de "guardião geral" e reuniam-se em jardins. Do ponto de vista ideológico e estético, sua atitude era de reação ao barroco e ao conceptismo (na Itália, particularmente o marinismo) do século XVII, que a essa altura, decadentes, já se tinham tornado meras práticas de ostentação intelectual e social, na empolação e preciosismo de uma linguagem sem substância. Desse modo, para a Arcadia, era preciso restabelecer a perfeição e naturalidade do modelo clássico, sua clareza e bom gosto. Esses primeiros árcades tomaram como padrão o romance pastoril Arcadia (1502), de Jacopo Sannazzaro, calcado no bucolismo do poeta grego Teócrito e do latino Virgílio. Outras fontes de inspiração, na Grécia, foram Píndaro e Anacreonte. Seus principais tratadistas teóricos, Ludovico Antonio Muratori e Gian Vincenzo Gravina, trataram de formular a filosofia do movimento, que, na relação com a natureza, já apresenta matizes pré-românticos. Há também, em tudo isso, a influência do racionalismo iluminista e de um erotismo que é ao mesmo tempo de fundo anacreôntico e de dívida para com Giambattista Marino, como o único traço do barroco a ser mantido pela Arcadia (devendo-se acrescentar, no entanto, que já teria sido o único traço dos clássicos mantido pelo barroco, pelo menos na península italiana). O poeta que melhor realizou os ideais do grupo foi Pietro Metastasio, especialmente na tendência anacreôntica, de louvor do prazer e da vida material.
Com o fortalecimento da burguesia em meados do século XVIII e o aparecimento dos filósofos iluministas formando um novo quadro social, político e cultural, observou-se a necessidade de buscar outras formas de expressão. Combate-se a mentalidade religiosa criada pela Contra-Reforma, nega-se a educação jesuítica praticada nas escolas, valoriza-se o estudo científico e as atividades humanas, num verdadeiro retorno à cultura renascentista.
Nesse ambiente em ebulição a sociedade da época inicia tacitamente uma verdadeira revolução que eclodirá apenas no fim do século com a Revolução Francesa e, neste interin, todas as idéias têm como principal objetivo restaurar o equilíbrio por meio da razão esquecida desde a queda do Renascimento para o Barroco. A classe emergente dos burgueses passa a dominar economicamente boa parte da Europa, através de um vasto comércio e da multiplicação de estabelecimentos bancários, assenhoreando-se até mesmo da agricultura em determinados lugares.
Em 1748, Montesquieu publica O Espírito das Leis, obra na qual propõe a divisão do governo em três poderes ( Executivo, legislativo e Judiciário). Voltaire, assim como Montesquieu, relacionado com a alta burguesia, defende uma monarquia esclarecida. Em 1851, dirigido por Diderot e D'Alembert, aparece o Discours préliminaires de L'encyclopédie, cultuando a razão, o progresso e as ciências. Importante papel desempenhou Jean-Jacques Rousseau (autor d’O contrato social e Emílio), defensor de um governo burguês e do ideal do "bom selvagem"afirmando que “o homem nasce bom, a sociedade é que o corrompe"desta forma, apregoando que deveríamos nos voltar para o refúgio da natureza pura. Dentro desse quadro desenvolve-se o Iluminismo, o qual exerceu vasta influência sobre a vida política e intelectual da maior parte dos países ocidentais. A época do Iluminismo foi marcada por transformações políticas tais como a criação e consolidação de estados-nação, a expansão de direitos civis, e a redução da influência de instituições hierárquicas como a nobreza e a igreja.
O Iluminismo forneceu boa parte do fermento intelectual de eventos políticos que se revelariam de extrema importância para a constituição do mundo moderno, tais como a Revolução Francesa, a Constituição polaca de 1791, a Revolução Dezembrista na Rússia em 1825, os movimento de independência na Grécia e nos Balcãs, bem como, naturalmente, os diversos movimentos de emancipação nacional ocorridos no continente americano a partir de 1776.
Muitos autores associam ao ideário iluminista o surgimento das principais correntes de pensamento que caracterizariam o século XIX, a saber, liberalismo, socialismo, e social-democracia.
Nesse momento, geram-se duas manifestações distintas, mas que se completam. O momento poético nasce de um encontro, com a natureza e os afetos comuns do homem, refletidos através da tradição clássica e de formas bem definidas, julgadas dignas de imitação dos modelos greco-latinos (Arcadismo); e o momento poético ideológico, que se impõe no meio do século, e traduz a crítica da burguesia culta aos abusos da nobreza e do clero.
Esses ideais de vida simples e natural vêm ao encontro dos anseios de um novo público consumidor em formação, a burguesia, que historicamente lutava pelo poder e denunciava a vida luxuosa da nobreza nas cortes.
No Brasil e em Portugal, a experiência neoclássica na literatura se deu em torno dos modelos do Arcadismo italiano, com a fundação de academias literárias, simulação pastoral, ambiente campestre, etc.


fonte: www.wikipedia.org
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